Eu me lembro de uma
vontade, uma urgência quase física de estar juntos. Ela aparecia nos repetidos
beijos e abraços de despedida. E depois nos beijos entre as grades do portão já
fechado. Você de um lado, já precisado de ir embora e eu do outro, precisada de
que você ficasse pra sempre. O que aconteceu com tudo isso? Hoje em dia está
muito claro que você não sente nem um pouco minha falta, depois que se decidiu,
pragmaticamente, que não sentiria mais nada. Nada nas suas atitudes demonstra
que você sente a mínima palha de uma leve falta minha, ou arrependimento pelas
suas atitudes. Mas você sente falta de muita gente. Anda por aí distribuindo “sinto
saudades” como se fosse “bom dia”. Você nunca dizia que sentia saudades minhas.
Nem nos bons tempos. Será que em algum momento do seu dia, você para e pensa em
mim? Alguma vez você se perguntou o que eu estava fazendo enquanto estávamos
longe um do outro, ou o que eu pensava sobre você? Será que você se pergunta se
estou bem, ou mal, feliz, ou triste, ou se me sinto sozinha? Será que você
imaginou o que é que achei daquele filme que tanto queríamos ver e que nunca
conseguimos? Absolutamente nada nas suas atitudes demonstra alguma preocupação
comigo, ou com o que eu sou, ou como estou.
Na verdade, você parece é muito feliz, muito aliviado, em ter se livrado
de mim. E sai por aí em rede aberta, declarando que seus trinta anos são o
início de um novo ciclo? Novo ciclo longe de mim? Eu fui, então, tão
prejudicial a você?
Eu me lembro da
sensação de otimismo e alívio me abraçando quando eu te conheci e nos
aproximávamos aos poucos. Então existiam pessoas como você! Que maravilha, o
mundo! E o melhor: alguém como você podia gostar de mim! Eu me lembro de todas
as palavras que você me dizia pra consolar minha tristeza por ter encontrado no
meu caminho, pessoas frias, que me tratavam como alguém dispensável. Você dizia
que elas não valiam a pena. E me contava como você entendia como eu me sentia
rejeitada. Eu nos achei tão parecidos, de primeira olhar, nos detalhes grandes
e nos pequenos. Os detalhes grandes eram as experiências que tivemos que nos
fizeram viver o mesmo sentido de abandono e de incapacidade. Alguma vez você
imaginou que me causaria o mesmo tipo de sentimento de abandono e insuficiência
que essas pessoas te infligiram? E que teria a mesma postura fria,
despreocupada com os meus sentimentos? Será que suas críticas a essas pessoas
frias serviam apenas pro caso de você sentir que alguém agiu dessa maneira com
você, embora você pense que você mesmo, por sua vez, pode agir dessa maneira
com quem bem entender?
Eu me lembro das
questões existenciais que você colocou pra mim e que me aproximaram de você,
porque também eram minhas. Como eu poderia imagina que você usaria suas
experiências ruins e as suas próprias questões para fazer o que bem entendesse,
sem se preocupar com o sentimento dos outros? Como se você estivesse
justificado em fazer tudo que queria, sem jamais olhar para o outro, por tudo
que já havia sofrido. Você usa sua própria dor, que é real, convenientemente,
de maneira fria e calculista para fazer o que quiser. Ou talvez tenha se
deslumbrado com a ideia de que nossos sentimentos são nossas responsabilidades
e de mais ninguém, para agir pensando que a dor e o sentimento de humilhação
que você provoca nas pessoas com atitudes danosas reais – nada disso é sua
responsabilidade. É apenas criação da cabeça alheia com a qual você não tem que
lidar. Ou não é isso que você quer dizer quando me diz que eu pense o que
quiser sobre você?
Eu me lembro também de
todas as coisas bonitas que você já me disse. E a forma como você parecia
interessado em participar da minha vida, dos meus assuntos. A forma como você
demonstrava ciúmes de mim e como fazia plano pra nós como se me quisesse na sua
vida a longo prazo. Tudo isso é vazio, agora. Você disse coisas sérias demais
para que suas atitudes destoantes não denunciassem a sua falta com a verdade.
Ou a sua incoerência. Uma hora você me dizia que o que explicava a nossa
lamentável situação era que você nunca havia gostado o suficiente de mim para
querer assumir um compromisso e nos levar a sério, no instante seguinte, me
dizia que tudo que você sentia por mim era suficiente sim e verdadeiro e que você queria ter um
relacionamento de verdade comigo. E no que eu posso acreditar? O que mais você me
dizia que não era verdade? É verdade mesmo que foi comigo a primeira vez que
você pode experimentar sexo e sentimento juntos, ou você já houveram outras que
escutaram a mesma coisa? É verdade também que pela primeira vez comigo você se
permitiu demonstrar ciúmes? E para a próxima você dirá que não demos certo
porque você nunca gostou de mim, como você me dizia, sempre tão lacônico, sobre
suas ex-namoradas?
Me pergunto se
realmente você acredita que toda a sua
dificuldade pra se entregar e acreditar que alguém goste de você pelo que você
é responsabilidade sua, ou se você ainda culpa outros pela suas questões. Às
vezes me parece que sim, porque senão, que outra explicação teria para alguém,
que já tem consciência há tanto tempo da própria condição, escolher a mesma
postura danosa? E como entender, se você realmente sente isso, fundo em você, que diante dos meus apontamentos para as suas
repetições, você diga que já sabe de tudo aquilo, mas que não mudará suas
escolhas simplesmente porque não quer, porque não está a fim? Como se fosse
você não soubesse que TEM – e sim, isso é um dever – fazer diferente daquilo.
Como se fosse uma criança mimada. Ou será que no fundo, você ainda pensa que,
em relação a mim, você se sentir como se sente é culpa da minha pouca
expressividade? Chegou então à conclusão de que, depois de ter bem utilizado da
minha presença para não se sentir sozinho por anos, de que sou insuficiente? Ou
será que você vai justificar sua incapacidade de se entregar nas constantes
críticas que eu faço ao seu comportamento? Será que você vai dizer, pra se
justificar permanecer nesse mesmo lugar confortável, que tantas críticas
mordazes provam que eu não gosto de você como você é? Será que você ainda
confunde gostar e amar com uma postura de devoção acrítica perante o outro e
que só servia pra você viver toda essa sua vontade de ser amado acima de todas
as coisas? E se você pensa assim, como
eu devo encarar todas as milhares de críticas – inclusive que desvalorizavam em
mim características que você valorizava em outras pessoas, como meu amor e zelo
pelos animais – que você me fazia constantemente? Como mais uma prova da sua
falta de sentimento por mim?
Houveram muitas provas
da sua falta de sentimento por mim. Seus caprichos, a forma como você me dizia
que eu tinha que ser “assim, ou assado” e agir de determinada maneira porque
você precisava e se não fosse desse jeito, não seria de outro. Você não tinha
nenhum medo de me perder. Lembro de te ouvir confessando que curtia fotos no
facebook de meninas que você sabia que eu tinha ciúmes pra me provocar. E
quando confessou que uma vez que fez isso foi também pra dar um jeito de me afastar,
sem ter que falar nada comigo sobre querer que eu me distanciasse. E lembro de
você confessando que me dava gelos sistemáticos de propósito, porque assim você
poderia controlar a nossa relação de forma a impor o ritmo que você precisasse
que as coisas tivessem (como se relação fosse isso). Eu fui compreensiva com
você, achando que todas essas questões eram questões reais, consequentes de
inúmeras situações ruins você havia vivido. E, sabendo eu como era difícil se
relacionar quando você acumula certas marcas e cheia de dificuldades próprias,
tentei entender. O que custava? Custava tudo. Agora eu vejo como tudo isso era
desrespeitoso. Você sequer me respeitava. Queria uma relação desigual em que
você vivia todos os seus caprichos e tinha atitudes como ataques de ciúmes
injustificáveis ( que não tinham nada a ver com querer a minha exclusividade,
mas com seu orgulho de se sentir a maior influência romântica na minha vida) e
os quais você jamais toleraria se partissem da minha parte. Se você realmente
gostasse de mim, você jamais teria sequer conseguido me tratar dessa maneira,
me dar gelos sistemáticos, me manipular. Você teria medo de me perder com esse
tipo de atitude. Incrível como você sentia medo d’eu te achar idiota e querer
de abandonar por conta de sua opinião sobre um filme,mas não tinha medo de me
perder quando se tratava de fazer esse tipo de babaquisse. Eu cansei,
definitivamente, de ser a pessoa compreensiva entre nós dois. Toda importância
que você diz dar à afetividade e todo potencial de cura que a psicanálise te
ensinou que o afeto tem: você realmente quer isso? Você quer viver isso por
completo? Você realmente quer viver as consequências de transformas a opinião e
os sentimentos de um outro alguém em algo tão precioso que você jamais conseguiria
ser frio a ponto de dar gelos ocasionais pra ritmar à sua maneira a relação?
Você quer se importar e cuidar de alguém de verdade, ou você só quer muito ser
amado, sem se arriscar a se entregar também? Eu me lembro de você me dizendo
que queria que eu cuidasse de você, que precisava se sentir cuidado. Mas você não viu todas as vezes que passei por
cima dos meus sentimentos e do meu orgulho para estar com você, em momentos em
que eu sabia que você precisava de alguém ao seu lado, embora você nunca fosse
pedir pra alguém estar lá? Quando é que você fez algo similar por mim? Nunca. Agora,
aliás, momento em que eu mais precisava de você ao meu lado, você me largou pra
lá, mais uma vez, sem nem vacilar. E se demonstra, ainda por cima, muito certo
e muito feliz com as escolhas que fez. Será que algum dia você quis o outro
lado de se sentir cuidado? Ou você só queria o prazer e o poder de sentir
alguém se preocupando com você? Será que você já quis de verdade cuidar de
alguém, estar disponível, se preocupar, mesmo quando é difícil? Ou você só queria
isso pela sua urgente e enorme vontade de se sentir amado?
Você me deu muitos
sinais de que não gostava de mim de verdade, mas eu estava tão encantada com
seu discurso sobre a vontade de viver uma experiência real e sincera com alguém
– queria tanto acreditar que aquilo era verdade – que não vi o que realmente
acontecia. Não vi que você me escondia dos seus amigos, da sua família. Não vi
a distância segura que você sempre fazia questão de manter. Nada disso. E sim,
as curtidas em milhares de fotos de outras meninas, algumas das quais eu tinha
muito ciúmes, diariamente era sim sinal da sua indisponibilidade. E talvez mais
por isso me magoasse tanto. Curtir fotos da sua ex-namorada que você me dizia
que não tinha mais a mínima importância pra você, também foi outro sinal. E
essa situação nunca realmente foi explicada, ainda que você ache que repetir
sempre as mesmas coisas diante de questionamentos diversos expliquem alguma
coisa. E agora ainda aparecem sinais retardados da sua falta de consideração
pelos meus sentimentos. Você prometeu, depois de muita dor, que não curtiria
foto de ninguém no facebook por dois meses, pra me provar a irrelevância que
essa ação tem na sua vida. Eu te disse que não queria isso, sinceramente, porque
essa não era a questão e sim a sua total indisponibilidade pra mim. Você disse
que mesmo assim sustentaria a promessa e encheu a boca pra dizer semanas depois
: “olha, como estou cumprindo o que eu disse.”. Você não cumpriu o que você
disse. Acredito que relativizou a promessa, não é? Como relativizou sempre tudo
sobre mim. Relativizou a sua suposta vontade de ficar comigo, relativizou os
muitos planos que você fazia sobre nós, muito mais do que eu jamais fiz. Agora
você também desfila por aí em rede pública demonstrando grande felicidade, como
se tivesse se livrado de um grande peso que eu fui. Sou mesmo apenas esse dever
tão pesado? Pra completar, você trata mulheres , inclusive muitas que você sabe
que eu tenho ciúmes, do jeito que me tratava. É “a senhorita quem manda” pra
cá. “Beijocas” pra lá. E nenhum respeito à
memória do que vivemos – que aliás, você diz ter sido a sua mais intensa
experiência de relação com outra pessoa.
Na verdade, eu sou um
grande tanto faz pra você. Você não se importa com o que vai acontecer comigo, ou
com a minha memória, ou com qualquer coisa que eu esteja sentindo. Por que você
se importaria agora que não vai mais voltar? Agora que você não se sente mais
sozinho e se sente aceito e querido por um grupo de amigos, você não precisa
mais desta muleta que eu fui, te carregando
nos seus tempos de solidão. A pouca companhia que eles te fazem foi o
suficiente pra suplantar a minha presença e você prefere essas amizades à
companhia diferente que eu poderia te oferecer. Eu me tornei dispensável. E pra
quê também você voltaria se você pode ser outra pessoa completamente diferente –
do que você foi comigo, do que você é – com outras pessoas? Por que voltar e insistir em alguém que já
tem o olhar que incide sobre você carregado de vícios? É por isso que é fácil
dizer agora que não vai mais me procurar. Pra quê você procuraria depois de
todo o estrago que você fez? Eu posso ser agora só aquela história embaraçosa
da qual você vai lembrar de vez em quanto, enquanto um nó de vergonha se aperta
no seu peito.
Meu erro foi acreditar no seu discurso perfeito,
na sua eloquência que coloca o afeto
entre as coisas mais importantes da vida. Eu quis acreditar que por eu ser
exatamente como você me dizia ser, você seria assim também. Eu quis acreditar que
você queria viver de verdade uma relação verdadeira e recíproca. Como eu tanto
quis. Mas e se todo esse seu palavreado tão bem articulado não significasse na
verdade, nada? E se tudo proviesse de uma vontade grande de ser amado, de tomar
tudo e não dar nada em troca? E se tudo não passasse de uma armadilha pra convencer
alguém a te amar muito, enquanto não havia nenhuma contrapartida? Talvez seja
tudo isso e você nem perceba. Mas fica pra mim a lição: observe as ações, não
as palavras. Quem quer estar junto, dá um jeito, mesmo com todos os problemas
do mundo (e todo mundo tem problemas, eu também), isso pessoas especiais já me
mostraram. E fica a tristeza de que, embora eu tenha aprendido tanta coisa,
talvez você tenha aprendido pouco com tudo que vivemos. Não é prepotência achar
isso, mas vê: é que você entendeu tudo errado, pelo que me conta. Você acha
que, depois de toda essa dor que me causou e de se sentir envergonhado, o que
tem que fazer é se curar pra conseguir então finalmente viver com alguém a
entrega que não viveu comigo. Você entendeu tudo errado. É só com a entrega que
se encontra a cura.
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