segunda-feira, 10 de novembro de 2014

O que eu queria arrancar do meu peito.

                          Eu me lembro de uma vontade, uma urgência quase física de estar juntos. Ela aparecia nos repetidos beijos e abraços de despedida. E depois nos beijos entre as grades do portão já fechado. Você de um lado, já precisado de ir embora e eu do outro, precisada de que você ficasse pra sempre. O que aconteceu com tudo isso? Hoje em dia está muito claro que você não sente nem um pouco minha falta, depois que se decidiu, pragmaticamente, que não sentiria mais nada. Nada nas suas atitudes demonstra que você sente a mínima palha de uma leve falta minha, ou arrependimento pelas suas atitudes. Mas você sente falta de muita gente. Anda por aí distribuindo “sinto saudades” como se fosse “bom dia”. Você nunca dizia que sentia saudades minhas. Nem nos bons tempos. Será que em algum momento do seu dia, você para e pensa em mim? Alguma vez você se perguntou o que eu estava fazendo enquanto estávamos longe um do outro, ou o que eu pensava sobre você? Será que você se pergunta se estou bem, ou mal, feliz, ou triste, ou se me sinto sozinha? Será que você imaginou o que é que achei daquele filme que tanto queríamos ver e que nunca conseguimos? Absolutamente nada nas suas atitudes demonstra alguma preocupação comigo, ou com o que eu sou, ou como estou.  Na verdade, você parece é muito feliz, muito aliviado, em ter se livrado de mim. E sai por aí em rede aberta, declarando que seus trinta anos são o início de um novo ciclo? Novo ciclo longe de mim? Eu fui, então, tão prejudicial a você?
                          Eu me lembro da sensação de otimismo e alívio me abraçando quando eu te conheci e nos aproximávamos aos poucos. Então existiam pessoas como você! Que maravilha, o mundo! E o melhor: alguém como você podia gostar de mim! Eu me lembro de todas as palavras que você me dizia pra consolar minha tristeza por ter encontrado no meu caminho, pessoas frias, que me tratavam como alguém dispensável. Você dizia que elas não valiam a pena. E me contava como você entendia como eu me sentia rejeitada. Eu nos achei tão parecidos, de primeira olhar, nos detalhes grandes e nos pequenos. Os detalhes grandes eram as experiências que tivemos que nos fizeram viver o mesmo sentido de abandono e de incapacidade. Alguma vez você imaginou que me causaria o mesmo tipo de sentimento de abandono e insuficiência que essas pessoas te infligiram? E que teria a mesma postura fria, despreocupada com os meus sentimentos? Será que suas críticas a essas pessoas frias serviam apenas pro caso de você sentir que alguém agiu dessa maneira com você, embora você pense que você mesmo, por sua vez, pode agir dessa maneira com quem bem entender?
                          Eu me lembro das questões existenciais que você colocou pra mim e que me aproximaram de você, porque também eram minhas. Como eu poderia imagina que você usaria suas experiências ruins e as suas próprias questões para fazer o que bem entendesse, sem se preocupar com o sentimento dos outros? Como se você estivesse justificado em fazer tudo que queria, sem jamais olhar para o outro, por tudo que já havia sofrido. Você usa sua própria dor, que é real, convenientemente, de maneira fria e calculista para fazer o que quiser. Ou talvez tenha se deslumbrado com a ideia de que nossos sentimentos são nossas responsabilidades e de mais ninguém, para agir pensando que a dor e o sentimento de humilhação que você provoca nas pessoas com atitudes danosas reais – nada disso é sua responsabilidade. É apenas criação da cabeça alheia com a qual você não tem que lidar. Ou não é isso que você quer dizer quando me diz que eu pense o que quiser sobre você?
                          Eu me lembro também de todas as coisas bonitas que você já me disse. E a forma como você parecia interessado em participar da minha vida, dos meus assuntos. A forma como você demonstrava ciúmes de mim e como fazia plano pra nós como se me quisesse na sua vida a longo prazo. Tudo isso é vazio, agora. Você disse coisas sérias demais para que suas atitudes destoantes não denunciassem a sua falta com a verdade. Ou a sua incoerência. Uma hora você me dizia que o que explicava a nossa lamentável situação era que você nunca havia gostado o suficiente de mim para querer assumir um compromisso e nos levar a sério, no instante seguinte, me dizia que tudo que você sentia por mim era suficiente sim  e verdadeiro e que você queria ter um relacionamento de verdade comigo. E no que eu posso acreditar?                           O que mais você me dizia que não era verdade? É verdade mesmo que foi comigo a primeira vez que você pode experimentar sexo e sentimento juntos, ou você já houveram outras que escutaram a mesma coisa? É verdade também que pela primeira vez comigo você se permitiu demonstrar ciúmes? E para a próxima você dirá que não demos certo porque você nunca gostou de mim, como você me dizia, sempre tão lacônico, sobre suas ex-namoradas?
                          Me pergunto se realmente você  acredita que toda a sua dificuldade pra se entregar e acreditar que alguém goste de você pelo que você é responsabilidade sua, ou se você ainda culpa outros pela suas questões. Às vezes me parece que sim, porque senão, que outra explicação teria para alguém, que já tem consciência há tanto tempo da própria condição, escolher a mesma postura danosa? E como entender, se você realmente sente isso, fundo em você,  que diante dos meus apontamentos para as suas repetições, você diga que já sabe de tudo aquilo, mas que não mudará suas escolhas simplesmente porque não quer, porque não está a fim? Como se fosse você não soubesse que TEM – e sim, isso é um dever – fazer diferente daquilo. Como se fosse uma criança mimada. Ou será que no fundo, você ainda pensa que, em relação a mim, você se sentir como se sente é culpa da minha pouca expressividade? Chegou então à conclusão de que, depois de ter bem utilizado da minha presença para não se sentir sozinho por anos, de que sou insuficiente? Ou será que você vai justificar sua incapacidade de se entregar nas constantes críticas que eu faço ao seu comportamento? Será que você vai dizer, pra se justificar permanecer nesse mesmo lugar confortável, que tantas críticas mordazes provam que eu não gosto de você como você é? Será que você ainda confunde gostar e amar com uma postura de devoção acrítica perante o outro e que só servia pra você viver toda essa sua vontade de ser amado acima de todas as coisas?  E se você pensa assim, como eu devo encarar todas as milhares de críticas – inclusive que desvalorizavam em mim características que você valorizava em outras pessoas, como meu amor e zelo pelos animais – que você me fazia constantemente? Como mais uma prova da sua falta de sentimento por mim?
                          Houveram muitas provas da sua falta de sentimento por mim. Seus caprichos, a forma como você me dizia que eu tinha que ser “assim, ou assado” e agir de determinada maneira porque você precisava e se não fosse desse jeito, não seria de outro. Você não tinha nenhum medo de me perder. Lembro de te ouvir confessando que curtia fotos no facebook de meninas que você sabia que eu tinha ciúmes pra me provocar. E quando confessou que uma vez que fez isso foi também pra dar um jeito de me afastar, sem ter que falar nada comigo sobre querer que eu me distanciasse. E lembro de você confessando que me dava gelos sistemáticos de propósito, porque assim você poderia controlar a nossa relação de forma a impor o ritmo que você precisasse que as coisas tivessem (como se relação fosse isso). Eu fui compreensiva com você, achando que todas essas questões eram questões reais, consequentes de inúmeras situações ruins você havia vivido. E, sabendo eu como era difícil se relacionar quando você acumula certas marcas e cheia de dificuldades próprias, tentei entender. O que custava? Custava tudo. Agora eu vejo como tudo isso era desrespeitoso. Você sequer me respeitava. Queria uma relação desigual em que você vivia todos os seus caprichos e tinha atitudes como ataques de ciúmes injustificáveis ( que não tinham nada a ver com querer a minha exclusividade, mas com seu orgulho de se sentir a maior influência romântica na minha vida) e os quais você jamais toleraria se partissem da minha parte. Se você realmente gostasse de mim, você jamais teria sequer conseguido me tratar dessa maneira, me dar gelos sistemáticos, me manipular. Você teria medo de me perder com esse tipo de atitude. Incrível como você sentia medo d’eu te achar idiota e querer de abandonar por conta de sua opinião sobre um filme,mas não tinha medo de me perder quando se tratava de fazer esse tipo de babaquisse. Eu cansei, definitivamente, de ser a pessoa compreensiva entre nós dois. Toda importância que você diz dar à afetividade e todo potencial de cura que a psicanálise te ensinou que o afeto tem: você realmente quer isso? Você quer viver isso por completo? Você realmente quer viver as consequências de transformas a opinião e os sentimentos de um outro alguém em algo tão precioso que você jamais conseguiria ser frio a ponto de dar gelos ocasionais pra ritmar à sua maneira a relação? Você quer se importar e cuidar de alguém de verdade, ou você só quer muito ser amado, sem se arriscar a se entregar também? Eu me lembro de você me dizendo que queria que eu cuidasse de você, que precisava se sentir cuidado.  Mas você não viu todas as vezes que passei por cima dos meus sentimentos e do meu orgulho para estar com você, em momentos em que eu sabia que você precisava de alguém ao seu lado, embora você nunca fosse pedir pra alguém estar lá? Quando é que você fez algo similar por mim? Nunca. Agora, aliás, momento em que eu mais precisava de você ao meu lado, você me largou pra lá, mais uma vez, sem nem vacilar. E se demonstra, ainda por cima, muito certo e muito feliz com as escolhas que fez. Será que algum dia você quis o outro lado de se sentir cuidado? Ou você só queria o prazer e o poder de sentir alguém se preocupando com você? Será que você já quis de verdade cuidar de alguém, estar disponível, se preocupar, mesmo quando é difícil? Ou você só queria isso pela sua urgente e enorme vontade de se sentir amado?
                          Você me deu muitos sinais de que não gostava de mim de verdade, mas eu estava tão encantada com seu discurso sobre a vontade de viver uma experiência real e sincera com alguém – queria tanto acreditar que aquilo era verdade – que não vi o que realmente acontecia. Não vi que você me escondia dos seus amigos, da sua família. Não vi a distância segura que você sempre fazia questão de manter. Nada disso. E sim, as curtidas em milhares de fotos de outras meninas, algumas das quais eu tinha muito ciúmes, diariamente era sim sinal da sua indisponibilidade. E talvez mais por isso me magoasse tanto. Curtir fotos da sua ex-namorada que você me dizia que não tinha mais a mínima importância pra você, também foi outro sinal. E essa situação nunca realmente foi explicada, ainda que você ache que repetir sempre as mesmas coisas diante de questionamentos diversos expliquem alguma coisa. E agora ainda aparecem sinais retardados da sua falta de consideração pelos meus sentimentos. Você prometeu, depois de muita dor, que não curtiria foto de ninguém no facebook por dois meses, pra me provar a irrelevância que essa ação tem na sua vida. Eu te disse que não queria isso, sinceramente, porque essa não era a questão e sim a sua total indisponibilidade pra mim. Você disse que mesmo assim sustentaria a promessa e encheu a boca pra dizer semanas depois : “olha, como estou cumprindo o que eu disse.”. Você não cumpriu o que você disse. Acredito que relativizou a promessa, não é? Como relativizou sempre tudo sobre mim. Relativizou a sua suposta vontade de ficar comigo, relativizou os muitos planos que você fazia sobre nós, muito mais do que eu jamais fiz. Agora você também desfila por aí em rede pública demonstrando grande felicidade, como se tivesse se livrado de um grande peso que eu fui. Sou mesmo apenas esse dever tão pesado? Pra completar, você trata mulheres , inclusive muitas que você sabe que eu tenho ciúmes, do jeito que me tratava. É “a senhorita quem manda” pra cá. “Beijocas” pra lá. E nenhum respeito à  memória do que vivemos – que aliás, você diz ter sido a sua mais intensa experiência de relação com outra pessoa.
                          Na verdade, eu sou um grande tanto faz pra você. Você não se importa com o que vai acontecer comigo, ou com a minha memória, ou com qualquer coisa que eu esteja sentindo. Por que você se importaria agora que não vai mais voltar? Agora que você não se sente mais sozinho e se sente aceito e querido por um grupo de amigos, você não precisa mais  desta muleta que eu fui, te carregando nos seus tempos de solidão. A pouca companhia que eles te fazem foi o suficiente pra suplantar a minha presença e você prefere essas amizades à companhia diferente que eu poderia te oferecer. Eu me tornei dispensável. E pra quê também você voltaria se você pode ser outra pessoa completamente diferente – do que você foi comigo, do que você é – com outras pessoas?  Por que voltar e insistir em alguém que já tem o olhar que incide sobre você carregado de vícios? É por isso que é fácil dizer agora que não vai mais me procurar. Pra quê você procuraria depois de todo o estrago que você fez? Eu posso ser agora só aquela história embaraçosa da qual você vai lembrar de vez em quanto, enquanto um nó de vergonha se aperta no seu peito.

                               Meu erro foi acreditar no seu discurso perfeito, na sua eloquência  que coloca o afeto entre as coisas mais importantes da vida. Eu quis acreditar que por eu ser exatamente como você me dizia ser, você seria assim também. Eu quis acreditar que você queria viver de verdade uma relação verdadeira e recíproca. Como eu tanto quis. Mas e se todo esse seu palavreado tão bem articulado não significasse na verdade, nada? E se tudo proviesse de uma vontade grande de ser amado, de tomar tudo e não dar nada em troca? E se tudo não passasse de uma armadilha pra convencer alguém a te amar muito, enquanto não havia nenhuma contrapartida? Talvez seja tudo isso e você nem perceba. Mas fica pra mim a lição: observe as ações, não as palavras. Quem quer estar junto, dá um jeito, mesmo com todos os problemas do mundo (e todo mundo tem problemas, eu também), isso pessoas especiais já me mostraram. E fica a tristeza de que, embora eu tenha aprendido tanta coisa, talvez você tenha aprendido pouco com tudo que vivemos. Não é prepotência achar isso, mas vê: é que você entendeu tudo errado, pelo que me conta. Você acha que, depois de toda essa dor que me causou e de se sentir envergonhado, o que tem que fazer é se curar pra conseguir então finalmente viver com alguém a entrega que não viveu comigo. Você entendeu tudo errado. É só com a entrega que se encontra a cura. 

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Re-sentimento.



"(...) quero ser feliz, isto é amarelo.
E não consigo, isto é dor."

Adélia P.

Estou dividida entre a vontade de destruir tudo que existe dentro de mim e ser feliz e livre e o medo de largar pra lá as coisas que existem dentro de mim e que podem se quebrar mais, se eu não tiver: cuidado, receio, temor. Se eu transformar tudo o que vivemos em fingimento da sua parte, vai ser mais fácil, ou mais difícil? Se há verdade, ainda assim, tudo é tão pouco para que eu fique aqui,me apegando a essa história, amarrada pela corda da dor, do receio de que a qualquer momento, mais um movimento brusco da sua parte, mesmo distante, venha a me magoar mais ainda. "O que mais ele fará para me destruir?".  Você já falou sem qualquer responsabilidade. Já fez promessas e descumpriu. Vai aparecer daqui a pouco envolvido com um outro alguém. Será alguém que eu conheço? Uma conhecida, uma amiga? Eu vou ter que fingir uma maturidade que eu não tenho e desejar felicidades, porque, uma vez que eu assumi que você nunca gostou de mim, não tem sentido ficar com raiva (porque afinal, não se pode forçar ninguém a gostar de ninguém e quem tem gostar de mim, gostará e eu terei meus afetos e laços verdadeiros e você também merece os seus)? Ou vou acreditar na sua versão para me dar uma chance de ficar com raiva e colocar você mais uma vez como o vilão da minha vida?
  Eu rezo todos os dias agora. Rezo sem palavras, todo dia pensando uma abstração que  não é objeto, nem dizer, é um um sentimento. Vou mentalizando-o, clamo por ele todos os dias, em todos os meus movimentos, sem precisar de ritual ou verbo, me tornei uma oração ambulante por alguma paz de espírito que não vem, de tanto medo que a paz de espírito não vá durar. Ainda que eu imagine que, também o sofrimento não é eterno. Sinto o impulso pelo desapego me mover - vem do fundo, bem do fundo de alguma parte de mim. Mas eu freio, com medo de que eu não vá aguentar. Com medo de que eu não esteja ainda à altura desse sentimento e dessa postura. 
Eu já estive aqui antes. É um ressentimento, re-sentido, revivido. Já estive aqui antes, mas re-sinto a situação, cada vez diferente, cada vez mais perto de dar um adeus à toda dor. Tudo que eu mais quero e desejo é a possibilidade da fé, da confiança na vida. É a extinção do medo inútil. Saber que não importa seu próximo passo, seu próximo movimento - ou de qualquer outro que me comova - ainda que me estilhace em um milhão de pedaços que jamais se juntarão da mesma forma inteira: mesmo assim, nada vai tirar de mim a felicidade que eu me prometi, quando resolvi que a vida era sincera e eu seria sincera com a vida. Gostaria de perceber completamente e assumir , como percebo em algum lugar confuso e embolado do meu ser, que não importa o que aconteça, não importa o que façam comigo, ou a que conclusão difícil eu tenha que chegar, enquanto eu estiver viva, respirando e saudável, o mundo é meu. Posso fazer o que quiser com a minha vida, posso recriar tudo que eu sou, se assim desejar. Posso me reconstruir, se estiver destruída. Nada é definitivo e sendo assim não define o que eu sou. 
Mas o que acontece depois? Se toda a dor vai embora, o que resta de mim pra você? Sobra tudo aquilo que me fez insistir tantas vezes. Mas esse sentimento é o que dói mais. Não é a humilhação, a rejeição, o descaso. É todo esse sentimento desperdiçado. Para insistir em estar ao seu lado, depois de tanta decepção, eu tive que aprender a abrir mão de todo medo que me movia (ou paralisava?) em nome da vontade real e bonita de ser feliz com alguém. Esse é o seu legado. Chegou um ponto e eu tive que escolher entre me apegar às inseguranças que plantamos - você com a sua inconstância e eu com o meu terror e vício no sentimento de rejeição - ou abrir mão de tudo e acreditar sinceramente no seu sentimento, no meu. Acreditei. Estive lá, disposta, aberta, todas as vezes. Sem pedras na mão, sem querer reviver o passado ruim que já fora. Acho que você nunca chegou a ver nada disso.  Como você poderia me enxergar se tudo é sempre sobre você? Mas era o que você me exigia. Você me exigia que eu estivesse ali, disposta, aberta, e a condição para você ficar era que eu te escolhesse ao invés dos meus fantasmas. Mas como você pode me exigir isso, se nunca, nem por um segundo, você me escolheu? Talvez por isso - talvez só por isso você precisasse exigir, porque você mesmo jamais havia me escolhido aos seus medos. Eu vivi sozinha o sonho de felicidade sem medos, sem pudores, construída em amor e desejo que primeiro sonhou, mas que nunca quis realmente dividir comigo. Continuva abraçado aos fantasmas dos quais você sempre gostou muito mais do que gostou de mim. Ou nada disso, ou você simplesmente jamais sentiu nada. Só teve vontade de sentir, vontade de querer viver tudo aquilo comigo. Como eu poderei saber?
Você diz que o medo que te impede de ficar e só porque eu temo tanto também, eu compreendo, como não queria compreender. Isso me faz vacilar na minha raiva. Me faz reparar que os pretextos que você inventa, já repeti tantas vezes com as mesmas palavras e me identificar com você em meio a um turbilhão de sentimentos ruins - e tanta confusão eu não mereço mais. E esse sentimento que tenho por você persiste. Como sempre persistiu. A sua fragilidade não consegue acabar com ele. É a sua fragilidade que ele ama. Eu o sinto e re-sinto, todas às vezes que você volta.O que eu faço com esse sentimento? O que eu faço com o que vai restar do fim do universo do que nós dois fomos? Não te importa. Você é egoísta. Malgrado o meu destino, você fará o que for preciso pra que tudo dê certo pra você. Ou você conitnuará se contando essa fábula, enquanto usa até a sua própria futura - sempre futura - felicidade, como pretexto pra nunca ser feliz. Mas eu também sou egoísta ( quem não é ?). Dizem que os sentimentos que temos existem para nós mesmos e não para serem correspondidos. E que um amor pode existir, ainda que não correspondido. Isso é real como uma pedra, mas insuficiente. Eu, egoísticamente, concluo que quero ser correspondida em meus sentiumentos na mesma proporção que os sinto, ou mais.
Sobre você: eu sinto tanto e ressinto tanto. Não quero mais nem o sentir, nem o ressentir.




quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Sorte.

Sorte.
Podem calar as filosofias, ciências e poesia, que a vida é questão de sorte.Um emaranhado aleatório e caótico que não obedece justiça, nem princípio, nem esforço. A maior parte das coisas que acontecem em nossa existência depende completamente de um conjunto de fatores aleatórios. Não há nada que se possa fazer, nenhum grande investimento que vá mudar esse fato.
Há quem se esforce tanto e dê tudo de si e tudo que é naquilo que constrói e em suas tentativas. Até se exaurir. E o que poderá concluir é que não há qualquer tipo de resposta. Equivalência ainda menos.
Há muito mais fatores que estão fora do nosso controle que conformam as situações todas do que fatores influenciáveis pelas nossas ações e boas intenções.
É preciso ter sorte e se não houver sorte, pra quê tentar tanto?
Há aqueles que se esforçam tão pouco e tudo tem, tudo alcançam e são amados.
Há os que não tem nada e que por grande esforço e belíssimas motivações que tenham, jamais terão tudo aquilo que o primeiro possuiu, apenas por questão de sorte – ou falta dela.
Às vezes aqueles que mais se esforçam são os que menos tem sorte.
Às vezes para ser amado,a pessoa não move uma palha para longe de suas intenções das mais egoístas, dos seus caprichos e comportamentos infantis e mesmo assim o é com toda intensidade que é possível.
Às vezes todo o esforço que se faz para abandonar-se a um amor que seja real e destituído de vaidades, medos e inseguras é em vão pelo simples fato de que o ser em constante luta para construir um belíssimo caso de amor não encontra um só ser capaz de amar alguém além de si mesmo.  Às vezes se esbarra com homens que ficarão covardemente presos ao passado, jamais dando uma chance ao amor. Ou que vão preferir curtir a galera do que construir uma coisa concreta, consistente, bonita, um lugar para ser aceito e amado em tudo que se é, nessa vida.
Às vezes todo o esforço que se faz e dar o melhor do que se pode dar para ser aquilo que você quer ser não é suficiente, simplesmente porque nunca houve condições favoráveis.

A vida é caos e não há absolutamente nada que alguém possa fazer. 

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

9 músicas que marcaram a minha vida.

6 – Postcards from Italy -  Beirut.
                Há muito tempo quero falar dessa música. Por isso ela vem separada das outras. Ela e o clipe dela são uma aula de historicidade. É uma linda música, muito delicada, que acredito que nos dá o sentido de uma sensibilidade de um tempo diferente, o que às vezes é difícil de alcançar estudando através de documentos duros e com um método rígido, mas de forma alguma torna-se visível dessa maneira tão poética. Todo o clipe da música é a reprodução de cenas antigas, que dá pra estimar que reproduzam os anos 50, 60 e 70. A canção em si, sua melodia, é quase que nostalgia encarnada. E a letra diz: Os nossos tempos, quando o vento viria com vento e neve. Não foram tão ruins. Colocávamos nossos pés onde eles tinham que ir. Nunca ir. Só esses primeiros versos já são de tirar o fôlego. É muito difícil, uma vez engajado com os justos movimentos sociais e as causas de nossos tempos, compreender o tempo dos nossos avós, dos nossos pais. Certas questões, certas discordâncias, cismas, ou até preconceitos que pertencem aos nossos antepassados, mas que viemos ao mundo para desconstruir, podem nos fazer enxergá-los cheios de vícios de nossos tempos e tornar difícil o entendimentos de seus motivos, daquilo que eram, da sua própria sensibilidade específica que é outra que não a nossa. Por exemplo, se hoje em dia estamos prontos para romper com a pressão social para que abracemos papéis prontos em nossas vidas (pressão às vezes que, afinal, vem dos nossos próprios pais e avós e que criam conflitos de geração vários), é bom perceber que em outros tempos, isso era visto como dever, honra. Se hoje não podemos entender muito bem porque ficar preso à um casamento ,a um trabalho que não necessariamente te faz feliz, a música nos alerta para a existência de outros tempos em que viver os papéis para que nós éramos destinados, era sinal de honra, abraçá-los e nunca abandoná-los era o certo a se fazer. Era afinal, um mundo de tradições. De lugares pré-estabelecidos, perenes. Mundo que construiu muitas restrições, mas também seguranças. Lindíssima canção, que só nesses versos, só nesse entendimento, deu conta de falar de história, falar de historicização e falar das diferenças entre tradição de modernidade.  Assuntos que afinal, são tão importantes pra mim. De um modo também, essa canção me faz entender, minha família. Meus avós e meus pais que até certo ponto ainda eram mais comprometidos com esse mundo de tradições.
 Na segunda estrofe da música, fala-se também de como o tempo é relativo. Nessa parte, refere-se à  uma época em que o tempo acontecia de forma diferente, em que a vida era mais lenta e os processos mais orgânicos, até o despedaçar de uma alma: A alma despedaçada Seguindo próxima mas quase duas vezes mais lenta .Nos meus bons tempos. Sempre havia pedras de ouro para arremessar. Naqueles que admitiam a derrota tarde demais. Aqueles eram nossos tempos”. Ao mesmo tempo parece se ressentir de um passado como um momento em que havia tanta cobrança, tantas pedras a se jogarem - mas pedras de ouro, de sabedoria, cobranças que não eram vazias. Alguma coisa de idealização que sempre é fácil também de encontrar nos nostálgicos do passado se vê aqui: onde os tempos pesados em que reputação e a cobrança por certos comportamentos – até essas coisas ruins e que causam dor parecem melhores do que os dias atuais. E quem pode dizer se não eram se a pressão social, o julgamento, as questões de reputação, ao mesmo tempo que podiam levar à ruína de alguém, a repressão dos desejos sinceros das pessoas, , eram também o caminho pelo qual se podia entender e sentir o afeto das pessoas com quem se convivia? E nostalgia do passado não deixa de ter a ver com esse mundo tradicional.  
Sobre a última parte, que sempre  é a que mais me emociona, ela diz: E eu amarei ver esse dia. Esse dia é meu. Quando ela vai casar comigo lá fora com os salgueiros. E tocar as músicas que fizemos. Elas me fizeram assim. E eu amaria ver esse dia. O dia dela era meu. Essa parte da música fala um pouco sobre relacionamentos mais orgânicos, muito menos fugazes e superficiais do que aqueles que parecem regra hoje em dia e que foram supostamente mais comuns em tempos mais antigos. Claro que isso também pode ser visto como uma idealização do passado. Precisar esse tipo de coisa, é muito difícil.  Mas o próprio peso dos compromissos e papéis assumidos, que tanto reprimia as pessoas, acredito que fundava um terreno fértil para relações que precisavam de maior concretude. Ou não. Não há exatamente, como saber. Mas, em que pese a idealização, o desejo por uma relação real, consistente e concreta, mesmo que ele venha construído numa projeção irreal sobre o passado, ainda é válido. Além disso, acredito que para os mais velhos, essa é uma idealização comum do que já passou: sobre como as pessoas tinham relações mais sinceras, laços mais firmes.(Por ser tão comum, quem sabe nem seja tanta idealização assim). Diziam que eram relações reais, naturais, que se construíam aos poucos. Nada a ver com os amores de fugazes de facebook de hoje em dia. Eram relações para se construir algo, não pra mostrar nas fotos. E fazer ‘’músicas”, indicam para esse tipo de coisa. Essa expressão aparece aqui no sentido figurado para mostrar como um relacionamento pode ser, através de uma entrega verdadeira, a construção de algo novo, de uma nova vida, de uma felicidade menos solitária. Uma música que vá embalar sua vida, ditar o ritmo. Estar numa relação séria, real, é sempre propício para quem quer se comprometer com a própria vida e dar a entonação, o tom da sua própria vida, como se fosse mesmo, uma canção só sua. Porque quando estamos perto do outro e entregues, fica mais fácil de vermos o que somos e o tempo todo, somos chamados a encarar a nós mesmos a nos avaliar, nos medir, chamados aos nossos medos e às nossas questões. É assim que a canção que construímos com alguém, nos constrói também. Mas não se constrói algo com alguém sem compromisso, sem verdade, sem se abandonar no outro um pouco e sem se permitir se transformar pela aproximação de uma outra alma. É preciso entender esse tipo de desejo, de sentimento para compreender a sensibilidade do passado e ver um outro lado, que não é preconceito, nem repressão, mas sentimentos profundos, orgânicos. E acreditar que tantas existências viveram o lado feliz do mundo provocado por essa sensibilidade, ou não haveria razão para que ela sequer tivesse existido. Assim podemos compreender melhor nossos antepassados, nosso passado e nos compreender um pouco melhor também.

obs: Um dos trechos mais bonitos de música que já ouvi é a continuação desses últimos versos, em que o eu-lírico deseja ver o dia em que casará com sua amada. Muito bonito quando você quer tanto viver um futuro com a pessoa que gosta da idéia de vislumbrar o dia seu casamento. Mais bonito ainda a continuação quando o eu-lírico, já casado, deseja rever o dia do casamento. Porque nesse segundo momento, o dia já passara e o dia dela, do casamento dela, já fora o dia dele também. Lindíssima canção sobre um amor que fica pra vida toda. 

9 músicas que marcaram minha vida.

9 músicas que marcaram minha vida.

1 –  Vienna – Billy Joel.  Essa música me acompanhou nas minhas primeiras frustrações um pouco mais adultas. Ganhei ela de presente de um amigo. Pra quem é jovem e ansioso, nada como uma canção pra te lembrar de como viver suas ambições e da paciência que é necessária para construirmos nossos caminhos e esperarmos os resultados que queremos obter na vida e pra tudo na vida. O grande segredo da música está em entender o sentido da cidade de Viena figurando por ali. Billy Joel contou a história da música num artigo que escreveu para uma revista, uma vez. Sua idéia para a música surgiu quando esteve em Viena, visitando seu pai, e teve uma epifania diante de uma senhora, já muito idosa, que varia as ruas, com todo o afinco e bom humor. Ele foi sugerir que alguém impedisse que ela fizesse aquilo, porque já era muito idosa e a pessoa lhe respondeu que ainda que a senhora não tivesse mais tanta saúde, a pior coisa que lhe fariam seria lhe tirar a sensação de estar sendo útil para si mesma e para sua comunidade. Entendeu que com toda a idade que tinha, ela não tinha razão para sentir pena de si mesma. Ela estava lá, dentro de seus limites, fazendo aquilo que achava que devia fazer por si e pelas pessoas em volta. E isso que importa, no final das contas, em cada atividade que fazemos, independente do que seja. Também se deu conta de que temos simplesmente o resto das nossas vidas, para sermos assim e isso sempre se renovará em todos os nossos desafios que se colocam para nós: a vontade de nosso fazer nosso melhor, dentro dos nossos limites, e a satisfação de conseguirmos.  Podemos ser assim em qualquer coisa que desejarmos, em qualquer momento das nossas vidas, ainda que quando jovens, a ansiedade de sermos logo tudo que queremos ser, nos faça perder isso de perspectiva. Sempre bom lembrar, pra não se tomar cedo demais por fracassado ou perdedor, a vida continua. Temos simplesmente o resto das nossas vidas, repleta de desafios para encararmos. Cada desafio é uma oportunidade. E quando conseguimos aquilo que mais queremos na vida, ainda haverá mais novas situações das quais teremos que dar conta. Uma vitória não significa tudo. Ao mesmo tempo, temos o resto de nossas vidas para fazermos as coisas certas, consertarmos nossos erros. Tudo. É melhor ir com calma, então, antes que nossa própria ambição nos destrua. Porque ambição é para mover para a vida, não para escapar dela. “When will you realize, Vienna  waits for you?”

2 – For once in my life – Stevie Wonder. Essa música tem inúmeras  versões. Foi popularizada principalmente na voz de Stevie Wonder. A versão que prefiro é a da Gladys Knight and The pips, apesar de Stevie Wonder ser um cantor tão presente em minha vida. Todas as versões são boas, na verdade, mas a da Gladys tem um arranjo especial, parece que a própria melodia denota o sentido da música e a própria voz da cantora, que vai de um tom meio grave, meio baixo, para um canto aberto e emocionante – tudo isso nessa versão parece indicar o próprio encontro que a música descreve. Um encontro amoroso que nos completa, depois de tantos sofrimentos, de tanta procura e frustração. Ao mesmo tempo a letra da música me lembra um sentimento para o qual atento sempre: a força que nós de repente conquistamos e tiramos, não sei de onde, uma vez que amamos e nos sentimos amados.  Esse sentimento eu senti poucas vezes na vida, mas me impressionou muito e me movimentou sempre em busca de relações fortes e verdadeiras. Me lembra também uma linda citação de Freud: “Como fica forte uma pessoa quando está segura de ser amada!” E é justamente esse sentimento – que tanto me impressiona e que tanto busco – que vejo na música. É isso que a música passa, sem dizer diretamente. Canta as pequenas felicidades seguidas da certeza de se ser amado.  E esse é um lindo sentimento, que nos faz explorar e perceber plenamente nossas potências e acreditar que você podemos ser fortes o suficiente para fazer o que quisermos fazer e sermos o que quisermos ser. Lindíssima canção, herança da minha mãe.
               
3 – The greatest love of all – George Benson.  Mais uma herança dos meus pais. Dessa vez, dos dois. Essa é uma das mais belas canções de todos os tempos e nos conta um pouquinho sobre o que é a vida. Whitney Houston tem uma famosa versão, que fica linda naquele vozeirão, mas nada supera a versão original do George Benson, que tanto ouvi a minha infância inteira. Só fui descobrir a preciosidade dessa música, anos depois, quando me dei conta da mensagem na letra. É uma sabedoria muito bonita, que meus pais me passavam sem perceber e eu descobriria, já adulta - tanto na música, quanto na vida.. A música é sobre amor-próprio.  Sobre se descobrir se amando, na sua própria dignidade, se valorizar. Também é uma música – eu pressinto, embora a música não seja tão direta quanto a isso - sobre querer também que as pessoas que você ama se valorizem, em um tipo de amor que é maior do que a dependência confortável que às vezes gostamos de sentir nas pessoas em relação a nós, nos nossos impulsos mais egoístas. Tem a ver demais com amor de pais por um filho. Por isso me sinto conectada aos meus pais, de novo, por essa música. E tem a ver amar a própria dignidade, ter uma vida digna e desejar para todos, numa sentimento muito humanista e por puro amor ao próximo, que tenham o mesmo sentimento de dignidade e amor próprio.  Porque afinal, como indica a música, é só aprendendo a nos amarmos, que podemos amar o outro e também sermos amados. Por isso, “learning to love yourself, it is the greatest love of all”.

4 – Oração ao tempo – Caetano Veloso Essa música é uma obra de arte. Alegre, viva e muito real para quem para pra pensar o tempo, nossa vivência do tempo. E também nossa relação com a passagem do tempo. Está tudo ali indicado na música: a passagem do tempo nos faz perceber a vida como algo contínuo. E isso é bom porque traz aquele sentimento de “a vida continua”, apesar dos pesares.  Sentimento que nos faz ter esperanças de que,  de uma forma ou de outra,  tudo seguirá  em frente e vai melhorar e as agonias vão desagoniar. E é bom porque parece que há, na nossa capacidade de entender essa passagem do tempo como o destino, ou algo que era pra ser e que tem um sentido próprio (embora, isso seja só aparente, o tempo não necessariamente é contínuo, ou retilíneo, ou um progresso,  como bem aprendemos em História). Essa sentido que as coisas no tempo tem, no entanto, é o sentido do qual lhe incumbimos. E se às vezes não nos apercebemos disso e ficamos passivos esperando o tempo dar sentidos, não é todavia mal sinal que estejamos aqui esperando um sentido pra nossa existência. Além do mais, não posso pensar numa oração melhor para se fazer do que ao tempo. Afinal, é no tempo que tudo se dá. E é no tempo que temos que confiar para vivermos as nossas vidas. Tempo para que as coisas ruins passem e tempo para que as coisas boas venham. E tempo para nos tornarmos, com nosso espírito, como diz a música, um “brilho definido”, que só “espalhe benefícios”. Que sejamos aquilo que queríamos ser, enfim, no tempo. E que bonito desejar um tempo mais vivo nos trilhos do próprio destino. Desejar as mudanças, os processos, a vida, enfim!

 5 – Você –Tim Maia. Uma das cenas mais bonitas de romance que já vi na televisão aberta, foi numa série policial dessas de final de ano que colocam no ar porque a galera que faz programas usuais  precisa tirar férias em algum momento. E o que tornou toda a cena mágica, foi essa música. Na série, o policial mocinho que combatia os bandidos tinha uma esposa de gênio forte e um filho pequeno. O policial, claramente com problemas pra se relacionar e demonstrar sentimentos, enfrenta uma crise no casamento, mas nas vicissitudes das confusões da vida familiar e do trabalho (no qual era um pouco viciado), ele escolhe, não falando nada, mas com atitudes, o amor pela esposa e pelo filho, à se entregar a apatia e ao distanciamento da família. Aí vem uma cena lindíssima em que nada é realmente falado, mas diz-se tudo. O policial vai pra casa e senta para jantar com a esposa e o filho pequeno. A mãe está dando de comer ao filho, o pai interage com os dois. Os dois riem com o filho, há uma certa felicidade de estarem ali dividindo aquele momento, pela própria forma com que riem e sorriem e com quem brincam com o filho. Uma felicidade que parece lembrar aqueles primeiros momentos de um encontro. Como se eles se redescobrissem e se reencontrassem. Ninguém pergunta nada, nem fala nada, mas se percebe que dali, daquele momento, daquela cena, daquele contexto em que os dois se veem, se olhando de novo com um olha de esperança: tudo iria se resolver.  E aí toca essa música.  A música também não é muito elaborada em versos, mas não precisa ser, porque passa muita emoção e essa própria característica dela está em harmonia com um momento em que duas pessoas com muita dificuldade de declarar seu amor podem sentar juntas e dizer tudo que não ia sendo dito há meses, sem uma palavra sequer. E o simples jantar se transformar num ato de amor e a música vai tocando enquanto eles falam com o filho. E é isso. Não esquecerei essa cena, nessa essa música, nem esse sentimento tão bonito que me passa essa música tão emocionada. 

sábado, 21 de junho de 2014

Toda forma de amor.

"Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
"Coitado, até essa hora no serviço pesado".
Arrumou pão e café , deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo."

Adélia Prado.

   Sua mãe também achava estudo a coisa mais chique do mundo. E ela, produto do seu afeto, virou uma elétrica cabecinha pensante que nunca cessava de se questionar. : "O que é amor? O que é amor?". Não importava, o amor era. E o amor era tantas vezes, de tantas maneiras. Foi amor quando jurou à mãe com toda seriedade do mundo que voltaria do primeiro passeio na creche, por achar que ela chorava achando que ia deixá-la. E foi amor quando não conseguia dormir se o pai não voltava do trabalho naquele dia de tempestade. Tinha amor quando no meio da briga a melhor amiga a fazia rir , desarmando-a de um golpe só. "Droga, eu não posso rir, estou zangada com você." Mas não estava. Foi amor quando o irmão se jogara entre uma hélice de ventilador saltante e o cachorro que tentou pular nela, usando o próprio corpo pra proteger o bichinho. Foi amor quando descobriu que os pais eram falíveis - e por amor quis protegê-los, como não podia fazer. Foi amor quando o pai ficou muito chateado porque sua aluna não tinha uma casa pra voltar e amor quando um bichinho magro esquelético desconfiado de tudo que o cercava, aceitou seu afago. Foi amor quando o irmão passou no vestibular e sabendo que ia se comparar a ela, que ele tivesse tirado uma nota maior ou a mesma coisa que a dela, pra ele não se diminuir pelo que jamais poderia diminuí-lo. Foi amor quando quase mentiu sobre a nota que tirou, então. Mas foi ainda mais amor quando falou a verdade, porque não falar faria parecer que aquilo significava alguma coisa. Foi amor quando entendeu a avó e a carência que dos alto dos 60 anos, tanto a aproximava de si, ainda adolescente. Foi amor quando descobriu , de forma que nunca antes soubera, o quanto de sentimento , verdade e querer-bem pode o corpo de um outro ser, um outro ser amado, significar. Quanta e imensa abstração corporificada ! Como era possível? E foi amor quando percebeu que preferia ver alguém feliz, do que dominada, ou dependente dela. Foi amor quando viu no olhar e nas palavras a vontade da amiga de estar consigo. E amou quando uma fraqueza confessada a fez perceber o quanto de si cabia no outro, sem nem saber como. Foi amor mesmo, quando a fraqueza de uma pessoa a machucou tanto,e ainda sim, entendia, porque, não podia ter escolha além de se compreender aquilo que se ama. Foi amor quando escolheu abrir mão da raiva e foi amor quando veio a mãe com palavras de arrependimento. Era amor quando entendia que poderia ser feliz, mas se entristecia sabendo que outros queridos poderiam nunca ser também. Foi amor quando o cachorro, carinhoso, entendeu sua tristeza e ficou em silêncio ao seu lado, esquecendo toda a sua própria impaciência canina. Foi amor quando desejou que todo mundo pudesse um dia ter sentido de dignidade:  fortes por si mesmos, independentes e plenos  de todos os sentidos de construção da própria felicidade - donos de si mesmo. Foi amor quando ele lembrou do poeta que ela só comentou uma vez que gostava. E foi amor quando sentia saudades da cachorrinha nova e do seu jeitinho tão dela de demonstrar carinho. Era amor quando passava na rua e a imagem , o objeto, a música, fazia lembrar e o sorriso era instintivo. Era amor quando viu o pai respirando por aparelhos e os joelhos dobraram sem força. E o corpo cedeu ao medo de perder. Era amor a cada olhar inocente de um canino qualquer que só tem amor pra dar. Foi amor naquele tarde em que dois corpos estiveram mais juntos do que nunca e a paz apoderou-se de tudo que ela era. "Sentia um acréscimo de estima sobre si mesma", dizia a música. Sim, isso também era amor - gostar-se mais, por poder amar. Sentia-se tão nobre dentro de seu próprio sentimento que entendia o egoísmo inerente a cada amor. Mas amor não era isso. Amor era fortaleza. Afinal o amor nos faz absurdamente fortes, para as nossas condições humanas. E ficamos mais bonitos, tão mais nobres, tão mais corajosos e fortes. Não sabia o que era amor, se era eterno, ou se deveria ser. Não sabia como vinha e como provar sua validade. Mas tudo aquilo tudo era amor - ela sentia. 

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Invasões bárbaras.

"Experimentar. 
 Colonizar.
 Civilizar.
 Humanizar.
 O homem 
 Descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
 A perene, insuspeitada alegria 
 De con-viver. "

 Drummond.



Aos 22 anos ainda há muito o que descobrir sobre a difícil arte da convivência.Ela se torna ainda mais difícil quando se ganha alguma intimidade com o outro. Há um perigo grande que as relações próximas se tornarem invasões próximas. Pessoas invasivas se permitem falar o que querem, quando bem entendem, àqueles que buscam conselho, ou dividem um pedacinho do sua vida e do seu dia-a-dia com elas - o que leva a inevitável imersão nos segredos e no mundo sentimental do outro. Pessoas invasivas confundem a invasão irreflexiva que promovem com  serem decididas e cheias de opinião sobre tudo. Levam a vida a  "jogar verdades na cara" dos amigos e achegados, sem nenhum compromisso real com a reflexão do quanto podem conhecer sobre a verdade de terceiros. Mas talvez não se possa falar em pessoas invasivas, apenas em atitudes invasivas. O que de qualquer modo, é muito ruim, pois atitudes invasivas podem piorar gratuitamente a dor do outro, não levando a solução alguma, só a mais sofrimento. Do que adianta cutucar o sofrimento do outro quando as coisas já estão ruins? Há claros casos de paralisia em que isso se faz de grande ajuda, talvez até necessário. Um pontapé externo para fora do fundo do poço. Mas e quando não, o que dizer? Como entender as invasões de pessoas tão próximas, tão queridas? Puro sadismo? 
Pela minha experiência, pessoas que tem as atitudes mais invasivas são as mais inseguras de si: precisam projetar no outro o pessimismo que sentem em relação a si mesmo e às suas vidas.  Talvez, no fundo, para se sentirem menos piores. Talvez porque realmente interpretem todas a vida como um fluxo interminável de sofrimentos e  tomem as pessoas pelo pior que elas podem ser, sempre. 
Há muito tempo e por muito tempo na minha vida, perdi tempo digladiando-me com a opinião de pessoas invasivas, apenas porque também sempre tive pronta, dentro do meu sado-masoquismo, para abraçar qualquer opinião e interpretação que fosse a pior possível, sobre as minhas questões. Eu queria sempre esperar o pior. Conforme fui percebendo as projeções que as pessoas fazem constantemente sobre as outras, foi piorando a batalha. Parece sempre necessário estar alerta para não ser vítima dessa invasões bárbaras que praticam os mais queridos seres da face da terra para mim. 
Mas não há nada mais cansativo do que viver na defensiva. E ter medo da atitude invasiva do outro, afasta-nos das pessoas que pra nós importam. Eu sempre tive uma postura ativa de procurar não ser invasiva diante daqueles que me procuram em busca de alguma palavra, alguma empatia. Não por medo, porque é muito claro pra mim hoje em dia que é preciso muito mais coragem parar se otimista sobre si mesmo e sobre tudo e todos, do que para ser pessimista. Pessimismo é fácil desde de que o niilismo entrou em cena. E fazer prognósticos de catástrofes apocalípticas para vida pessoal alheia parece sinal de sabedoria. Mas não é. Sabedoria é saber onde estão colocados os seus limites de até onde pode ir sua interpretação sobre a situação de terceiros. E há limites claros, que precisam ser considerados. E não falo de limites de ordem moral, como se existissem tabus que não devam ser tocados, ou assuntos que não devam ser tratados, mas de limites epistemológicos. Não somos o outro e já mais poderemos experimentar aquilo que outra pessoa vive exatamente como ela vive. Não há suporte cognitivo para entender a vivência do outro melhor do que ele mesmo. Há, quem sabe, a possibilidade de as coisas de um ângulo diverso, que pode ajudar o outro a retirar-se de interpretações e entendimentos repetidos, que jamais os ajudam. Levar esses limites em conta e falar gentilmente, buscando não encontrar respostas fáceis ou ditas como as coisas são ou não,  rotulando pessoas e comportamentos, não é faltar com sinceridade, mas talvez seja um sinal de honestidade intelectual. As respostas para as nossas angústias nem sempre dizem respeito às perguntas que frequentemente fazemos. O movimento para lidar com o sofrimento alheio, tentar ajudar, respeitosamente, é buscar pensar, refletir junto, buscar soluções, formular novas questões e outros pontos de vista.  Mas como convencer a todos disso e evitar o desgastante combate constante contra o que pensam de nós? Talvez eu só saiba disso, porque sinto isso, depois de viver experiências muito ruins, desde muito cedo, com pessoas invasivas. 
Talvez, se eu for justa, não exista a possibilidade de ser completamente frio e não invasivo de nenhuma forma quando se trata de formular opiniões sobre alguém próximo. Talvez isso seja bom. É sinal de envolvimento, de querer-bem. Nem mesmo sempre tendo cultivado um comportamento que admite possibilidades para além das interpretações que eu quero forçar, isso não me é possível 100% das vezes. E talvez seja impossível não projetar de alguma forma nossos desejos, experiências e expectativas nas histórias que compartilham conosco. Talvez não. É impossível, uma vez que somos produtos desses desejos experiências e expectativas e só podemos ver o mundo através deles. Mas há de se encontrar um limite para esse tipo de coisa, ainda mais em um momento em que temos instrumentos intelectuais para isso - relativismo, pós-modernismo, psicanálise, etc,etc, etc. Há de se colocar os limites pelos outros e por nós. Para compreendermos as limitações do nosso alcance a experiência alheia e também os limites dos nossos vícios interpretativos, que, afinal, podem nos ser tão prejudiciais e talvez fiquem melhores se relativizados, rompidos, trocados. E um último talvez: toda essa construção, talvez, só se dê nessa dolorosa batalha constante com as projeções do outro em nossos próprios assuntos. Assim como a construção de uma independência que nos permite construir valores interpretativos próprios e seguros o suficientes para que o outro não cause perturbação, apenas reflexão sincera e desapegada, sem a raiva que também projetamos na raiva que projetam em nós. Afinal, só se aprende a conviver, convivendo. Só se aprende a se relacionar - sem prejuízo do eu e das próprias convicções e sentidos construídos - se relacionando. 

domingo, 6 de abril de 2014

22 anos e 22 lições.

16 - Drama é algo dispensável. Muita gente gosta de sofrer. Acredito que inclusive, todo mundo tem uma tendência a curtir um sofrimento. Há até quem faça do sofrimento um sentido para a sua vida. Mas a verdade que as experiências da vida vão nos mostrando é que a vida já é bem difícil sem a nossa ajuda. Então, se as dores e perdas fazem parte da nossa existência, apegar-se a essas dores e alimentá-las é uma escolha que eu só posso entender , cada vez mais, como uma escolha errada (sim, serei ousada o suficiente para falar em certo e errado, esse ponto merece). É preciso se desapegar do drama. E para isso é preciso uma certa humildade para reconhecer, por exemplo, o quanto nós gozamos e nos sentimos até queridos , por outras pessoas, através dos dramas que criamos ( no caso, quando as pessoas cedem a eles.). Há quem nunca queria realmente se desligar desse lado dramático da vida e das relações, mas para mim, drama só tem me cansado cada vez mais e tenho entendido esse tipo de coisa, como uma perda de tempo. Temos que desapegar dos nossos dramas solitários também, que não envolvem os outros. Se livrar da tendência a piorar tudo que acontece conosco, ou a radicalizar as situações que vivemos, assumindo uma visão fatalista de mundo. Reforço: a vida já é difícil sem que a gente ajude a dificultar. E se relacionar com as pessoas, idem. Claro que o princípio do equilíbrio vale aqui para nos lembrar de que evitar o drama não vale se temos que chegar ao ponto de nos tornarmos insensíveis. Mas dramatizar tudo a gente deixa pras obras de ficção. Na vida, drama só exaure.

17- Nem toda companhia é válida. E essa não é uma conclusão fácil, que diz respeito a uma questão de sintonia maior ou menor com as pessoas. Por motivos óbvios, não são todas as companhias que vão nos agradar. Mas entre as que nos agradam, é preciso aceitar que nem todas valem a pena. Há gente que vamos conhecer e que nos farão mais mal do que bem, ainda que os momentos bons sejam realmente bons. Ao invés de insistir nelas, é melhor se afastar. E muitas vezes, é preciso uma certa frieza para isso, uma vez que podemos acabar gostando bastante de pessoas que nos fazem mal. Mas senso de autopreservação não é falta de amor. Muito pelo contrário. Quando nos preservamos aí sim estamos dando uma prova de amor para quem gosta de nós, nos tornando realmente preparados para amar e cuidar gentilmente das pessoas, sem a urgência de uma dependência do amor alheio para amarmos a nós mesmos – dependência essa  que muitas vezes nos leva a cometer atos invasivos, de exigência do amor do outro. Então acho que é possível e produtivo encarar a frieza que é necessária para nos afastar de quem nos faz mal, como algo bom e até como uma prova de amor àqueles que nos fazem bem. Há muita gente por aí que não vale a pena, mas tenho aprendido principalmente sobre as pessoas que querem construir relações sem reciprocidade, porque acreditam que o mundo gira em volta delas e tudo na existência está deveria estar disposto para atender às suas necessidades. Essas são pessoas normalmente muito egoístas e são as que pra mim não valem muito esforço, uma vez que reciprocidade vem se mostrando tão essencial para me fazer feliz.

18 - Gentileza gera gentileza. Em uma saga que marcou minha adolescência – Harry Potter – alguém, que não me recordo quem é, relata ao próprio Harry sobre como a mãe do órfão, que ele nunca chegou a conhecer, era gentil. Então, essa mesma pessoa , faz um comentário que muito me marcou. “A gentileza é uma qualidade subestimada.”. Eu não poderia concordar mais. Falta gentileza no nosso mundo. O preço pela quebra de muitas convenções sociais que se constituíam em um excesso de gentileza que beirava a hipocrisia, talvez tenha sido a constituição de um cenário em que muitas pessoas acreditam que para se afirmarem, precisam jogar “verdades na cara das outras pessoas” o tempo todo. Pera lá! Que verdades são essas? E de quem são, essas verdades? Falta gentileza no mundo. Gentileza de entendermos, por exemplo, quando nos relacionamos nas pessoas que o tempo todos projetamos nossas esperanças e expectativas sobre elas. E também as nossas frustrações e complicações. Vamos dar um conselho e projetamos as nossas histórias e decepções nas histórias delas. Isso muitas vezes configura uma atitude invasiva, que não só magoa a pessoa como pode desestimulá-la a fazer o que quer. É preciso atentar mais para a teoria da relatividade. Cada história é uma história, temos que respeitar as histórias das pessoas e sermos cuidados também com os que nos cercam, no sentido de não invadi-los. Claro que é também responsabilidade dos aconselhados seguir conselhos acriticamente, mas não há necessidade alguma de agredirmos nossos semelhantes com os traumas que já nos agridem. E vamos mais uma vez nos valer do princípio do equilíbrio. Depois de longa e cuidadosa análise, talvez ser um pouco invasivo e contundente possa sim ajudar nossos amigos (é, o princípio da relatividade também atinge a esse tipo de situação dessa forma). Além disso, há outras gentilezas que precisam ser mais cultivadas. É preciso ser gentil sim, muito mais, no sentido clássico. Nos permitirmos nos admirarmos pelas pessoas - por exemplo, um tipo de gentileza, diante do nosso egoísmo que nos faz querer se melhores e mais especiais em tudo. Daí vem a gentileza de sabermos elogiar as pessoas, sinceramente, também. É preciso também ser gentil para valorizar o que as pessoas fazem e é preciso ser gentil para com nós mesmo, para nos valorizarmos também e nos preservamos. Por último, é preciso, principalmente na vida adulta, sermos gentis no sentido de aprendermos a partilhar nossas vidas, o que também é uma espécie de gentileza, quando temos muito a fazer e porque para sermos adultos completos, é preciso cultivar uma espécie de egoísmo sobre nossos assuntos, só para depois aprendermos a abrir mão dele( mas ainda assim, é algo necessário). 

19 – A vida adulta exige certo egoísmo, retomando o que eu acabei de dizer. É preciso cultivar um egoísmo do tipo bom, na maturidade. Só assim conseguimos construir os nossos sonhos, entendendo que temos que abrir mão de compartilhar nossos momentos para investir em gozos muito pessoais e solitários. Há de se cultivar algum egoísmo também para aprender a se preservar, enquanto vamos entendendo o tipo de pessoa que não vale nossos esforços e nos faz mal e das quais temos que nos afastar. O egoísmo também tem que nascer em relação a nossa rotina, no sentido de dedicarmos mais tempo a tarefas que digam respeito à concretização dos nossos – e totalmente nossos – desejos. Em muitos momentos, isso significa abrir mão de tempo com a família, com os amigos, com o namorado. E uma resistência pode surgir por parte dos nossos entes queridos, mas é preciso persistir, lembrando sempre que só nós e nenhum deles, por mais que nos amem, podemos lidar com as consequências das nossas escolhas.

20 – Há sempre um quê de solidão na vida. Uma das coisas mais difíceis de serem aceitas por pessoas carentes (como é, muito sabidamente, o meu caso) é: a solidão é inerente à condição humana. Pela impossibilidade que existe de sermos os outros(“os outros” só existem sempre em condição de alteridade), jamais poderemos compartilhar totalmente de todas as suas impressões e dos pequenos momentos e sutilezas que fazem do outro o que ele é, que é alternante em relação ao que eu sou com minhas memórias, momentos e sutilezas. Pela singularidade de cada existência, há sempre solidão no homem. Mal podemos compartilhar coisas que são tantas vezes ativamente mostradas para nós, já que é, por vezes, muito difícil compreender as pessoas. Uma vez que aceitamos esses limites, no entanto, a solidão não parece nem tão assustadora, nem com uma condenação pessoal. Solidão faz parte. Por muitas vezes, inclusive, é saudável. Se conseguimos ficar bem e em paz, com a nossa própria solidão, sem associá-la à falta de amor e à rejeição, muita coisa na vida pode mudar. A aceitação da solidão talvez seja um dos processos mais importantes pelos quais as pessoas podem passar para se tornarem felizes. Porque nos prepara justamente para abrir mão da nossa dependência dos nossos afetos  - o que foi tão citado aqui como algo importante no caminho para levar uma vida mais feliz. Ao mesmo tempo, mais uma vez, retomo o princípio do equilíbrio. Conviver bem com a própria solidão não pode se transformar em desejar a solidão, porque isso, pela minha experiência, não passa de uma defesa para não nos expormos aos riscos de nos assumirmos como pessoas que queremos ser amadas. E nunca conheci ninguém que não quisesse (que bom!), ainda que existam pessoas que disfarcem essa vontade melhor do que outras.

21 – Ter senso de humor torna tudo mais fácil. Uma das minhas heroínas de romance favoritas é a Elizabeth Bennet de Orgulho e Preconceito. E uma das coisas mais interessantes que eu acredito que ela declarou para seu par, o sempre muito querido Mrs. Darcy, é o quanto eles são contrastantes, porque ele era muito sério e ela adorava rir. Compartilho muito disso. Gosto muito de rir e cada vez mais percebo o poder que tem os momentos de riso compartilhados, por exemplo.  Mas além de rir das coisas da vida, ter senso de humor inclui saber rir um pouquinho de si mesmo, se assumir em suas ridicularidades, sem achar isso o fim do mundo, porque todos nós somos um pouquinho ridículos e às vezes muito das nossas melhores coisas vem à tona quando estamos sendo “ridículos”. Dessa maneira, a gente consegue tirar um pouco o peso das coisas que vivemos, o que nos permite, inclusive, pensar melhor sobre elas e desfazê-las de qualquer concepção dramática que estejamos tendo.

22 – Happiness is only real when shared. Last, but not least. Tudo na vida é melhor, quando se está acompanhado. Poucas sensações são melhores, talvez nenhuma sensação seja melhor, do que aquela de que você está realmente sendo acompanhado. Uma companhia verdadeira, é difícil de se encontrar hoje em dia. Tem muita gente por aí investindo em “afeto” só pra fazer número (número de contar e número de circo) em rede social. Mas há também muitas pessoas que possuem aquela gentileza que já citei aí em cima, de compartilhar com você um pedaço das suas vidas e dos seus sonhos e com quem você pode fazer o mesmo - são elas as mais importantes de se cultivar no seu caminho. É essa gente bonita, que torce por você , como se tivesse torcendo pra si mesmo, que vibra com você, fica chateado com você, se algo dá errado e que está com você no dia-a-dia. Não estão só nos momentos bons, porque isso é muito fácil. Nem só nos momentos ruins, porque isso é sadismo. Companhia sincera e verdadeira é aquela com a qual você pode contar no seu dia-a-dia, na sua luta diária, pra compartilhar alegrias e tristezas, para ser ajudado e ajudar. Para mim, poucas coisas me fazem mais feliz do que já ter compartilhado meu caminho com companhias assim e compartilhar ainda hoje. A vida vale a pena quando pode ser compartilhada. E se o que importa dos nossos sonhos, não é exatamente o ponto de chegada, mas a jornada que traçamos, ter alguém pra te acompanhar na sua jornada , alguém que te ajude a construir seu sonho, é a coisa mais bonita que se pode ter. Não há amor mais bonito do que aquele que ajuda o ser amado a construir a independência do próprio amor. Por isso talvez o amor de pai e mãe seja o mais admirado que existe. Falo então de companhias que não inspiram nem dependência, mas inspiram coisas boas e inspiram pra vida .E viva às companhias verdadeiras, que dividem com a gente a grande aventura das lutas diárias, se preocupando conosco e dividindo conosco – a essas, aprendi que devo dar toda a minha dedicação e carinho.


sexta-feira, 4 de abril de 2014

22 anos e 22 lições.

10 – É preciso tentar fazer o melhor que se pode fazer. Até agora se falou em sonhos, expectativas, objetivos e perspectivas, mas vamos agora para o lado não tão bonito. Não importa o que você quer ser da vida, o que quer fazer com ela, é preciso batalhar para as coisas acontecerem. E como em toda a batalha, há muito que não é bonito, nem ideal como são as nossas expectativas. Todo sonho tem um lado cotidiano, arrastado e difícil. É preciso se esforçar todos os dias! A luta e o esforço tem que ser constantes e nós temos que nos esforçar o máximo que podemos para fazermos aquilo que nos propomos a fazer. Essa é condição essencial para se viver os sonhos que construímos para as nossas vidas, mas também para viver, de forma geral. Somente assim teremos a sensação de nos apropriarmos das nossas vidas e das nossas próprias questões, pois saberemos que estivemos inteiros ali, disponíveis para elas. É preciso dar o nosso melhor – ou ao menos, tentar dar – em tudo que fazemos. Nem sempre o nosso melhor será, é claro, o suficiente para atender nossas projeções sobre os resultados dos nossos investimentos. Ainda assim, a única forma de ter paz interior, é se saber totalmente e cada vez mais (quando não for suficiente, que se tente mais ainda!) envolvido com a própria vida. Aliás, “ser envolvido com a própria vida” pode parecer uma redundância. Como viver sem estar envolvido pela própria vida? Ledo engano achar que estar envolvido na própria vida e nas próprias questões é inerente a viver. Quantas pessoas que conhecemos que vivem em um mundo de idealizações, alheios à própria realidade? Ou quantas pessoas vivem o sintoma do eterno adiamento daquilo que querem fazer ? Quanta gente não deixa pra começar a vida no dia seguinte, todos os dias? Quantas pessoas estão vivendo a fábula da espera pelas condições perfeitas para começarem a se esforçar e caminhar em direção às coisas que tem vontade de fazer? Mas ao mesmo tempo, que sensação melhor e mais saudável pode haver do que aquela de que você está vivendo a sua vida? Que você está agindo, construindo, trabalhando e criando e não está passivo diante dos acontecimentos do mundo e daquilo que te causa? É preciso estar em dia consigo mesmo pra ser feliz e isso exige esforço, coragem para lutar contra a preguiça e vontade de viver ! Por outro lado, a condição mesma de tentar dar o melhor nas várias esferas de vivência que compõem a tessitura das nossa vidas exige que nos coloquemos limites. Dar o nosso melhor implica em um limite bem na medida do quanto podemos nos esforçar pra cada pedacinho da nossa vida sem mitigar o outro. Em alguma momentos, uma parte de nossas vidas terá prioridade, em outros, nem tanto, mas não dá para abandonar nunca o esforço de dar o nosso melhor em tudo que somos e fazemos, porque só assim somos completamente tudo que somos.

11- Ser adulto é bom. Se é preciso estar envolvido com a própria vida, não há momento mais propício pra isso acontecer do que a maturidade. Há quem passe a vida adulta se ressentindo das responsabilidades que ela implica, mas eu não poderia estar curtindo mais ser uma pessoa adulta, maior de idade e com cada vez mais responsabilidades. Quando vai chegando essa época da vida, cada vez mais nossa vivência diária vai exigindo responsabilidades de nós. O momento em si nos obriga a nos apropriarmos de coisas que antes eram resolvidas por outras pessoas para nós. Passamos a lidar com responsabilidades cada vez maiores, conhecer processos burocráticos, entender as obrigações práticas do dia-a-dia. Para mim esse processo foi ainda mais significativo pelo fato de que a minha maturidade veio com a saída de casa. Moro, a maior parte do meu ano, já há um tempo, em outra casa e outra cidade, longe dos meus pais. Isso me fez valorizá-los muito mais, inclusive, porque eu pude e posso entender, cada vez mais, a trabalheira que dá, a manutenção de uma vida adulta, em todos os pequenos detalhes que permeiam a nossa existência. E digo isso para as coisas mais ordinárias inclusive. Somos obrigados a perceber que há de se dar conta do lixo que produzimos, da manutenção e limpeza das coisas materiais que conquistamos, percebemos como a vida é cara, que é preciso garantir o pão nosso de cada diz ( seja garantindo a farinha, como preparando a massa) e que enfim, uma vida custa. Não apenas no sentido financeiro (que é um sentido bem importante, na verdade), mas custa esforço, zelo e que é preciso dar conta de nossas responsabilidades. De repente também, quando nos pegamos adultos, inúmeras novas responsabilidades vão sendo exigidas: prazos se tornam cada vez mais sérios, assim como as consequência das nossas ações e das nossas não ações. Afinal, tudo agora não é mais para um futuro distante, quando adulto você já está a todo momento, construindo sua carreira, seu futuro profissional (agora!) e que cada momento é importante para investir nessa faceta nossa que será sempre tão importante e definirá tanto do que somos (embora não possa de jeito nenhum definir tudo). Quando se é adulto, o mundo espera mais de nós, as pessoas e nós mesmo também. Há quem sofra bastante com esse novo mundo de responsabilidades, mas é possível também encarar como o momento mais propício da vida para começarmos a viver nossos sonhos. Afinal, enquanto aprendemos a ter responsabilidades maiores e mais numerosas, pegamos uma certa manhã sobre o que é assumir responsabilidade e daí em diante, podemos assumir também as responsabilidades que temos que assumir para com e por nós mesmos se queremos ser felizes. Além disso, a maturidade exige escolhas importantes: uma vez que você tem que se concentrar em construir uma carreira e algo de importante pra sua vida, que te sustente e torne independente, isso demanda tempo e concentração acerca das coisas que são necessárias para esses desejos (e até necessidades) se concretizarem. Você acaba tendo que escolher, um dia da sua vida, entre terminar o trabalho da faculdade, a leitura para monografia, entregar o relatório do trabalho no prazo certo, e ficar por exemplo, em casa curtindo uma fossa eterna por causa de uma briga com um namorado. Você percebe que não há muito mais espaço para dramas adolescentes na sua vida, porque há muitas coisas acontecendo e você não pode ficar preso aos sentimentalismos excessivos da adolescência. Aliás, você percebe que tem escolher entre ficar preso a isso e sofrer as consequências depois, ou viver sua vida e atender às suas responsabilidades. E isso é muito importante, porque aí está um ótimo material tanto para trabalharmos como tudo na vida é uma questão de escolha, como para entendermos que precisamos construir algo para nós, além da vivência das nossas afetividades  e do mundo social que costuma ser intensa na infância e na adolescência. Resumindo: os saudosistas que me perdoem, mas cheguem sua Síndrome do Peter Pan pra lá! Ser adulto é muito bom. É um momento perfeito para construirmos a nossa felicidade e nossa independência, que depois de um certo momento da vida, acabam mesmo estando muito intimamente ligadas.  11-a) Essa lição sobre a vida adulta e as responsabilidades que ela carrega me rememoram uma outra lição, essa de cunho muito pessoal, que talvez não seja válida para tantas pessoas, mas que é muito importante pra mim. Eis ela aqui: Rotina é uma coisa boa. Há que não suporte viver dela, mas para mim, criar e viver uma rotina e se esforçar para seguí-la é a melhor coisa que se pode fazer para traduzir a construção dos nossos sonhos em ações diárias que darão concretude a nossa jornada. Além disso, eu vivo um prazer imenso, beirando o irracional, em manter uma rotina (ainda que seja uma coisa realmente muito, muito difícil), pela sensação maravilhosa de consistência e constância que ela me proporciona.

12 – É preciso ter paciência. Minha mãe diz que minha bisavó sempre dizia: “É preciso ter paciência até pra sofrer”. E essa sabedoria eu levo para vida. Todo e qualquer sofrimento é duplicado pela ansiedade e toda e qualquer felicidade é diminuída pela metade, pelo mesmo motivo. Paciência talvez seja uma das coisas mais difíceis de aprender para o nosso mundo do tudo-ao-mesmo-tempo-agora, mas também é uma das mais importantes. É preciso ter paciência com nossos caminhos, que são muitas vezes tortos, é preciso ter paciência para esperar pelo que se quer, senão é possível que não se consiga, por puro cansaço, é preciso muitas vezes, paciência para as coisas irem se resolvendo, porque simplesmente há momentos em que não há nada a se fazer quando algo está ruim, é preciso paciência com as pessoas para garantir uma postura correta frente aos nossos semelhantes e é preciso paciência com nós mesmos para a gente conseguir esperar pelas transformações que acreditamos necessárias para os nossos caminhos. A vida é feita de processos e temos que respeitá-los. Mas paciência, é bom lembrar, não é passividade, não é aceitar qualquer coisa que as pessoas fazem com você, nem muito menos é benção. Paciência é treino ! Então lembremos disso sempre que possível, para a exercitarmos.

13 – Perdoar significa libertar. Falando em lições muito difíceis de serem aprendidas, mas muito importantes, é preciso lembrar do perdão. Todas as grandes e importantes doutrinas e filosofias de vida e religiosa ensinam sobre o poder do perdão. Posso falar com algum (mínimo e torto) domínio sobre a tradição cristã. Não quero fazer propaganda religiosa, até porque, não sigo nenhuma religião. Mas acredito que o que há de mais importante em cada religião é onde elas ensinam não como viver para a morte, mas sim como viver para a vida - é o caso das lições sobre perdão. É bem sabido que o tal Jesus Cristo tinha muitas e bonitas histórias sobre perdão e sobre perdoar – que era um papo muito revolucionário na sua época do “olho por olho, dente por dente” e que persiste revolucionário ainda hoje. Talvez seu mais simbólico caso de perdão seja aquele dado a Maria Madalena, quando ele se compara, enquanto pecador, à uma prostituta, o que mexe com questões que desafiam toda a moralidade da sua época, a sociedade masculina e machista em que vivia, mas também incomoda em questões muito irracionais como as que são sempre as que dizem respeito à sexualidade e moralidade. É preciso saber perdoar mesmo os casos que nos desafiam hoje, como o caso de Maria Madalena desafiou sua época. E o primeiro passo para isso talvez seja entender e compreender a condição humana como uma condição limitada, inconstante e falha. E claro, como tentou demonstrar Jesus, isso é assim para todos. Todo mundo erra sempre, todo mundo vai errar, já dizia a sábia música. Não adianta se apegar ao erro dos outros e se ressentir para sempre deles. É preciso tentar compreender as pessoas e fazer um esforço ativo para construir o perdão, entendendo, inclusive, o quanto das nossas decepções não dizem respeito a expectativas que nós mesmos criamos e projetamos nas pessoas e sobre as quais elas não tem responsabilidade nenhuma, só nós temos (isso ajuda muito para começar a perdoar). Depois disso, temos que aprender a nos colocar no lugar das pessoas, o que não é muito fácil e precisa do de um esforço relativizador e muito racional da nossa parte. Mas é um esforço que vale a pena. Perdoar as pessoas nos liberta, porque quem guarda ressentimento é quem realmente fica escravo das situações ruins. Mais importante ainda do que perdoar os outros, talvez seja a lição sobre perdoar a si mesmo. Maria Madalena, viveu como santa porque pode perdoar a si mesmo e a seu passado. É só perdoando a nós mesmo que podemos nos aceitar melhor e construir nossos caminhos longe das frustrações que tivemos com nós mesmos no passado. É preciso perdoar as nossas próprias escolhas erradas, caminhos tortos e incapacidade. Não é possível viver o que queremos se antes de construir uma coisa verdadeira estamos sempre tentando nos compensar a nós mesmo por um passado infeliz. Além disso, talvez a única maneira de aprendermos a perdoar realmente as pessoas, seja primeiro, aprendendo a nos perdoarmos. Esse história de perdão nos leva muito diretamente a um outro fato:

14 - Cultivar raiva só faz mal a quem a cultiva. Sentir raiva é uma coisa comum, e, querendo ou não, humana. Cultivar a raiva, já é outra história. O tempo passa, as coisas mudam, o choque das decepções se dissipa e isso é uma oportunidade que a vida nos dá para vivermos bem. Se escolhemos, no entanto, não nos entregarmos a esse processo natural e ficamos alimentando a raiva pelas situações ruins que aconteceram, ou os conflitos que despontaram no nosso caminho, estamos plantando a semente da autodestruição. Raiva só faz infeliz as pessoas que escolhem se apegar a ela.Todos os outros envolvidos na situação que despertou a raiva e que escolheram seguir em frente, podem até ter sido os errados da história, mas serão aqueles que poderão ser felizes. Ser feliz vale mais do que provar às pessoas de que se está certo, nas nossas situações de conflito. Até porque:

15 – Você não tem que provar nada a ninguém. Esqueça qualquer sentimento de dívida que não seja com os seus próprios princípios, os seus sentimentos e a sua vontade. Não fomos colocados e um mundo tão bonito para passarmos o resto das nossas vidas tentando provar para as pessoas que somos bons. O sentimento de que temos que corresponder às expectativas sociais sobre nós, é um sentimento baseado em uma terrível necessidade de aprovação que como nós já dizemos, é mais destrutiva do que construtiva. Não há caminhos certos e errados, há caminhos singulares e não há porque desperdiçar tempo e energia tentando provar às pessoas que somos bons, ou que somos isso, ou que somos aquilo e que as escolhas que fazemos são mais ou  menos corretas. Primeiro, porque as pessoas veem o que elas querem ver. Segundo, porque ninguém que está esperando algo de nós vai realmente alguma vez na vida viver todas as consequências que teremos que encarar se quisermos colocar a frente de nós mesmos a vontade de atender e corresponder às projeções alheias. Se há algo que você quer provar a alguém, isso tem que passar antes por você, por uma vontade sua de ser algo, ou por um princípio moral seu – e unicamente seu – ao qual você precisa corresponder. Não há ninguém no mundo que possa nos dizer o que fazer , ou a melhor forma de fazer. Não podemos colocar a nossa vida em função de provar algo nem mesmo aos nossos pais, que nos deram a vida e que muitas vezes fazem tudo por nós. Nada disso significa ser ingrato, mas a gratidão tem que ser um sentimento sincero que parta de você e não uma obrigação de provar algo a alguém, ou compensar um sentimento de dívida.

(Continua.) 

quarta-feira, 2 de abril de 2014

22 anos e 22 lições.

Hoje dia 02 de abril de 2014, eu completo meus 22 anos de idade e, como não poderia deixar de ser, tudo é muito diferente do que eu imaginei que seria - seja pra pior, ou pra melhor. E  me peguei pensando, na véspera de mais uma primavera completa, sobre tudo que eu aprendi até agora com a vida. Todo aniversário é época de reflexões, rever atitudes e fazer projeções pro futuro. É, afinal, um "ano novo" no sentido matematicamente mais correto da expressão. Daí achei que seria interessante talvez fazer uma lista do que eu já acumulei de percepções sobre a vida . Esse é um exercício interessante pra fixar aprendizados e um dia será um exercício mais interessante ainda rever essa lista e ver o que ficou e se sustentou ao longo dos anos, o que mudou e porque. Sendo assim, vamos à lista ! Um item para cada aninho de vida!

1 - É importante ter equilíbrio. Embora todos os itens aqui listados estejam colocados de forma aleatória, essa primeira lição talvez seja a mais importante - porque permeia muitas outras. Não é papo de gente que faz ioga. Tudo na vida depende de nos mantermos equilibrados. Nada na vida pode nos consumir e anular as nossas forças e as nossas vivências das várias dimensões que compõem a nossa existência. Se isso acontece e há uma área de nossa vida que eclipsa todas as outras, ou um assunto, ou um alguém que se torna alvo de uma obsessão sem fim, ficamos cegos pra vida. A vida é múltipla e a multiplicidade dos âmbitos vividos só pode nos ajudar a caminhar. Cada área da nossa vida vai, de pouquinho em pouquinho compensando o que há de bom ou ruim na outra e aí vamos construindo nossa estrada. Investir tudo que há de nós em apenas uma área da nossa vida é correr o alto risco de nos perdermos e nos quebrarmos por motivos que várias vezes estão fora do alcance de influência de nossas ações(se ficamos dependentes dos nossos relacionamentos e relações, por exemplo, é justo que essa seja a área que definirá se tivemos fracasso ou sucesso na nossa vida, sendo que depende de uma coisa tão abstrata, fora de controle e às vezes inalcançável, como o sentimento dos outros?). Por outro lado, sendo pragmática, precisamos desse equilíbrio porque a vida não é uma maravilha em que as coisas são sempre diretamente e proporcionalmente uma resposta correspondente aos nossos esforços e investimentos. Isso jamais deverá ser uma desculpa para não nos esforçarmos e darmos o nosso melhor , dentro de nossos limites, para conquistarmos o que queremos, mas, ao mesmo tempo, não é possível idealizar os caminhos - às vezes,não basta. A vida não é feita pra ser justa - e esse não é um papo de amargura - a vida não é feita pra ser nada. Ela é o que fazemos dela , então temos sempre que garantir o que podemos garantir, dando o melhor para o que nos propomos. Mas é sempre preciso caminhar de forma equilibrada. Obsessão não leva a muitos lugares bons. O que nos leva a um outro ponto:

2- Dependência de qualquer coisa, é horrível. Se é preciso manter o equilíbrio , é porque colocar a nossa vida em relação de dependência com qualquer coisa, é uma das coisas mais destrutivas que podemos fazer. Qualquer tipo de dependência é um escapismo. Dependência química, dependência em trabalho, em vídeo game, em qualquer coisa. Alimentamos dependência para não termos que lidar com as nossas questões. Não temos que depender em sentido prático de nada, nenhuma coisa, nem de ninguém. . Mas, principalmente, não podemos depender sentimentalmente de ninguém. A nossa vontade de sermos amados, desejados, queridos, que acredito que é tão universal, que pode ser chamada de humana, deve ser respeitada como algo inerente à nossa espécie, algo comum e que nos une e cria empatia. Isso significa que não devemos ter vergonha ou medo, de querermos ser amados e queridos. Mas não é bom respeitar essa vontade a ponto de perder o respeito por si mesmo e pelos outros. Ser amado deve ser sempre uma consequência, não uma obrigação e não devemos depender disso para viver nossas vidas. Se apenas conseguimos construir a nossas vidas em cima da aprovação e do amor dos outros, nos tornamos frágeis, perdemos o respeito por nós, e abandonamos, em nome do vício do amor, os nossos desejos, os nossos sonhos e as nossas opiniões. Abandonamos a nós mesmos porque queremos, acima de tudo viver em função do amor dos outros e pra sermos o que os outros querem que sejamos. E enquanto isso, desperdiçamos a nossa vida e sofremos consequências que ninguém terá que encarar além de nós. A vontade de viver e participar da vida deve ser autossuficiente, e não pode existir em função do desejo de ser amado, porque então, todas as outras áreas da nossa vida são contaminadas por esse sintoma e tudo que fazemos virará uma maneira de acariciar nosso próprio ego. Sendo assim:

3- Love is not all you need. A ideia de que o amor pode ser nosso único alimento pra vida é bonita,  mas só funciona em música. A não ser que estejamos falando de um amor maior, pelas coisas e pela vida. Mas quando se trata de amor entre as pessoas, esse não pode ser o único sentido das nossas vidas. Se ficarmos presos à ideia de que nossos relacionamentos vão nos sustentar como pessoas, nos tornamos dependentes. E como eu já disse aí em cima, tem nada de bom em ser dependente. É preciso transcender a nossa vontade de ser amado e construir algo por e somente para nós mesmos. Em sentido prático, é o seguinte: se amamos somente as pessoas e não nos entregamos para desejos que são só nossos, nós sequer teremos algo para compartilhar com quem amamos, porque a única coisa que temos e construímos é nosso amor por eles e isso não é só chato, é triste. O âmbito sentimental da vida é muito instável e não podemos depender de , para nos amar e nos interessarmos pelas coisas, ter o amor e a companhia dos outros. Nunca sabemos o que acontecerá amanhã. As pessoas se separam, as pessoas se afastam, as pessoas morrem e a vida é assim e precisa continuar. Precisamos, para continuar junto com ela , de algo que seja só para nós e só nosso, algo que nos cause e nos interesse no mundo para além da vontade de ser amado e desejado, ou seja:

4- É preciso alimentar um sonho, que seja só nosso e não dependa de mais ninguém. A vida é muito vasta e bonita e sempre alguma coisa nela nos causa, pela nossa constituição emocional mesmo. É preciso se apegar a esse sentimento e alimentar um sonho sobre o que queremos viver nessa vida e o que queremos ser. Dessa forma, construímos um sentido pra nossa vida para além da nossa vontade de ser amado. Preenchemos-a trabalhando e construindo algo  que importa para nós e só para nós. É disso que precisamos para ser feliz : de uma jornada que empreste sentido para a nossa vida e para o nosso dia-a-dia, em menor escala. Ter um objetivo do que fazer com as nossas existências é essencial. Mas para chegar a construir efetivamente um caminho para nós mesmos: 

5 - Pragmatismo é importante, mas não em excesso. Se alimentamos um sonho, a vontade de ser alguém ou viver algo e não fazemos nada para se aproximar desse sonho, ou se ficamos constantemente nos autosabotando, inventado desculpas, estamos apenas alimentando o nosso sintoma , que não nos permite sair do lugar. Agindo dessa forma, subverte-se a melhor ideia possível para nos curarmos das dores existenciais e da dependência da aprovação e do amor alheio, que tanto sofrimentos causam. Há exigências para se seguir um sonho e uma delas é ter um certo pragmatismo. Criar objetivos concretos, investir em transformar o caminho para esse sonho em parte da sua rotina e persistir nisso até que você se torne o seu caminho. É preciso abrir mãos de muitas idealizações para isso, porque a realidade e a experiência sempre nos mostra faces das coisas que não poderíamos apreender enquanto desejávamo-as de longe. É preciso também saber traçar objetivos concretos e aprender com as nossas experiências. Mas vale aqui o princípio do equilíbrio. Pragmatismo em excesso nos torna pessoas egoístas, que só enxergam sua própria vontade e conforto. Você pode ser assim, se quiser, mas provavelmente se tornará uma pessoa solitária. Além disso, aos poucos, vai se perdendo a capacidade mesmo de alimentar os sonhos. Porque todo sonho precisa de um pouco de idealização. Até porque, enquanto nos transformamos, se nos entregamos para falta de idealização completa do que nós ainda somos e do que ainda não somos, isso pode ser desestimulante e levar à autossabotagem. Mas precismos dos nossos caminhos, da nossa vida só para nós e de nos apropriar das nossas coisas a ponto de dar um sentido para nossa existência, até porque:

6 - A sua vida é sua e só sua. Tudo que fazemos na vida, inclusive nossas omissões,são escolhas de nossa responsabilidade. Isso porque ninguém no mundo jamais poderá entender , ou viverá completamente as consequências das nossas escolhas. Isso cabe somente a nós, então temos que cuidar das nossas escolhas e responsabilidades e entender que por mais que às vezes seja irresistível a vontade de culpar alguém por nosso sofrimento ou responsabilizar um outro alguém pela nossa infelicidade ou felicidade, isso é apenas uma forma de permanecermos passivos diante da necessidade de nos apropriarmos da nossa vida, refletirmos sobre o que é importante, fazermos escolhas e tentarmos, para construir, da nossa forma, o nosso caminho, como sempre construímos (inclusive nosso próprio sofrimento), mesmo que a gente não queira ver. Mas há um ponto precioso a entender nesse esforço de responsabilização e construção de uma vida mais ativa:

7- É impossível ter controle de tudo. Aceite.  Ainda que alimentemos um sonho, assumamos a responsabilidade pelos nossos atos e escolhas e nos dediquemos com todos os nossos esforços para a construção do que queremos viver, não há garantia de 100% de sucesso. Não há necessariamente, uma relação de causalidade e proporcionalidade entre o seu esforço e aquilo que haverá de retorno para você. Isso porque o que acontece na nossa vida nem sempre é consequência direta das nossas ações. Há inúmeros e complexos fatores, alguns inclusive fora do alcance da nossa razão, que constroem a complexa teia da vida e influenciam o nosso caminho. Quanto mais cedo se aceitar isso, melhor. Não quero cair em um papo místico e transcendental, mas é preciso entender a vida como ela é e aceitar o quê de aleatoriedade que ela possui. Há quem, diante disso, desanime e conclua que,se não há garantia de sucesso, não  é válido o esforço de viver um sonho. Mas acredito que isso deva ser encarado pelo lado contrário. Se há tantos fatores incontroláveis e inalcançáveis que nos influenciam, precisamos nos garantir o máximo que der, naquilo que dá para se garantir, dando o nosso melhor. Mas é bom ter em mente que não há garantias até para mantermos o nosso princípio de equilíbrio e não fazermos do nosso próprio sonho a nossa obsessão , que se der errado , e pode dar, nos definirá como fracassados. Afinal, é preciso assumir que na vida, 

8 - Há de se contar com um pouco de sorte. É preciso reconhecer que há contexto e contextos. Há aqueles contextos que tornam as coisas mais fáceis e há outros, que tornam tudo mais difícil. E esses contextos, são , muitas vezes, como já atestado, impossíveis de serem controlados , ou influenciados pelas nossas ações, em alguns pontos. Tudo isso, em última instância pode significar que há sim, um momento para as coisas acontecerem. E mais uma vez, não quero cair com isso em nenhum papo sobre transcendentalidades, nem destino. Mas os contextos que tecem a vida podem não só influenciar se as coisas acontecerão de forma mais fácil, ou mais difícil , como podem definir se elas acontecerão , ou não , ou quando acontecerão. Por outro lado nem tudo na nossa sorte nos é externo. A boa notícia é que nossa sorte também é construída pelas nossas interpretações. São as nossas interpretações sobre as situações que nos farão assumir as posturas que farão a diferença no resultado das coisas, naquilo que podem fazer. Se escolhemos ver as coisas boas de uma situação, estaremos mais preparadas para ela e para as oportunidades que ela nos dá (afinal, tudo tem seu lado bom e ruim) e uma visão pessimista das coisas, pode nos tornar mais desistentes. Tudo isso porque

9- Pensamento tem força, sim.  E esse não é um papo estilo autoajuda do tipo O segredo, que entende que o pensamento positivo te conquistará tudo que você quiser, por efeito de uma força invisível e mágica. Mas os pensamentos que nós temos influenciam a postura que assumimos perante as coisas da vida e a nossa postura define as nossas ações. Repetindo, pensamentos positivos e otimistas nos permitem enxergar melhor as oportunidades que a vida nos dá e nos dá coragem para aproveitá-las, pensamentos negativos, por outro lado, podem nos tornar até mesmo cegos para possibilidades boas. É preciso sim , então, tomar cuidado também, com nossos pensamentos. O tipo de pensamento que  cultivamos afinal, são também, escolhas nossas. 

(Continua.)