sábado, 21 de junho de 2014

Toda forma de amor.

"Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
"Coitado, até essa hora no serviço pesado".
Arrumou pão e café , deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo."

Adélia Prado.

   Sua mãe também achava estudo a coisa mais chique do mundo. E ela, produto do seu afeto, virou uma elétrica cabecinha pensante que nunca cessava de se questionar. : "O que é amor? O que é amor?". Não importava, o amor era. E o amor era tantas vezes, de tantas maneiras. Foi amor quando jurou à mãe com toda seriedade do mundo que voltaria do primeiro passeio na creche, por achar que ela chorava achando que ia deixá-la. E foi amor quando não conseguia dormir se o pai não voltava do trabalho naquele dia de tempestade. Tinha amor quando no meio da briga a melhor amiga a fazia rir , desarmando-a de um golpe só. "Droga, eu não posso rir, estou zangada com você." Mas não estava. Foi amor quando o irmão se jogara entre uma hélice de ventilador saltante e o cachorro que tentou pular nela, usando o próprio corpo pra proteger o bichinho. Foi amor quando descobriu que os pais eram falíveis - e por amor quis protegê-los, como não podia fazer. Foi amor quando o pai ficou muito chateado porque sua aluna não tinha uma casa pra voltar e amor quando um bichinho magro esquelético desconfiado de tudo que o cercava, aceitou seu afago. Foi amor quando o irmão passou no vestibular e sabendo que ia se comparar a ela, que ele tivesse tirado uma nota maior ou a mesma coisa que a dela, pra ele não se diminuir pelo que jamais poderia diminuí-lo. Foi amor quando quase mentiu sobre a nota que tirou, então. Mas foi ainda mais amor quando falou a verdade, porque não falar faria parecer que aquilo significava alguma coisa. Foi amor quando entendeu a avó e a carência que dos alto dos 60 anos, tanto a aproximava de si, ainda adolescente. Foi amor quando descobriu , de forma que nunca antes soubera, o quanto de sentimento , verdade e querer-bem pode o corpo de um outro ser, um outro ser amado, significar. Quanta e imensa abstração corporificada ! Como era possível? E foi amor quando percebeu que preferia ver alguém feliz, do que dominada, ou dependente dela. Foi amor quando viu no olhar e nas palavras a vontade da amiga de estar consigo. E amou quando uma fraqueza confessada a fez perceber o quanto de si cabia no outro, sem nem saber como. Foi amor mesmo, quando a fraqueza de uma pessoa a machucou tanto,e ainda sim, entendia, porque, não podia ter escolha além de se compreender aquilo que se ama. Foi amor quando escolheu abrir mão da raiva e foi amor quando veio a mãe com palavras de arrependimento. Era amor quando entendia que poderia ser feliz, mas se entristecia sabendo que outros queridos poderiam nunca ser também. Foi amor quando o cachorro, carinhoso, entendeu sua tristeza e ficou em silêncio ao seu lado, esquecendo toda a sua própria impaciência canina. Foi amor quando desejou que todo mundo pudesse um dia ter sentido de dignidade:  fortes por si mesmos, independentes e plenos  de todos os sentidos de construção da própria felicidade - donos de si mesmo. Foi amor quando ele lembrou do poeta que ela só comentou uma vez que gostava. E foi amor quando sentia saudades da cachorrinha nova e do seu jeitinho tão dela de demonstrar carinho. Era amor quando passava na rua e a imagem , o objeto, a música, fazia lembrar e o sorriso era instintivo. Era amor quando viu o pai respirando por aparelhos e os joelhos dobraram sem força. E o corpo cedeu ao medo de perder. Era amor a cada olhar inocente de um canino qualquer que só tem amor pra dar. Foi amor naquele tarde em que dois corpos estiveram mais juntos do que nunca e a paz apoderou-se de tudo que ela era. "Sentia um acréscimo de estima sobre si mesma", dizia a música. Sim, isso também era amor - gostar-se mais, por poder amar. Sentia-se tão nobre dentro de seu próprio sentimento que entendia o egoísmo inerente a cada amor. Mas amor não era isso. Amor era fortaleza. Afinal o amor nos faz absurdamente fortes, para as nossas condições humanas. E ficamos mais bonitos, tão mais nobres, tão mais corajosos e fortes. Não sabia o que era amor, se era eterno, ou se deveria ser. Não sabia como vinha e como provar sua validade. Mas tudo aquilo tudo era amor - ela sentia. 

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