quinta-feira, 9 de abril de 2015

A última palavra.

            O último post desse blog que me acompanhou, talvez de uma forma irregular, mas decisiva, será uma oração. Essa oração tem passado pela minha cabeça, de forma meio confusa e impulsiva, em flashes, todos os dias, e eu tenho desejado falar com Deus, mas sempre deixo isso para lá, porque isso não é natural para mim. Mas escrever sobre isso talvez seja mais fácil do que falar, do que parar e falar, mesmo que só na minha cabeça, as palavras que eu tenho pretendido para Deus, ou para o sentimento de Deus. Eu sou mais mesmo de escrever do que de falar,muitas vezes. Mesmo assim, minha vida, meu corpo, meus pensamentos tem se tornado, a cada dia, essa oração. E talvez até pronunciá-la possa vir a se tornar redundante. Mas eu quero dizê-la e declará-la.
            "Deus, eu acho que você gosta de mim. Afinal, você me deu a chance de evitar a morte e, para além disso, de descobrir a vida. Quando fiquei doente, foi quando aprendi a valorizar esse mundo. E eu amei todas as coisas como se elas fossem pra mim,quando me curei. E amei como se eu fosse pra elas também.Vivia numa comunhão quase religiosa com a natureza, o tempo e a vida, porque tudo era sagrado,e tinha que ser. Além disso, Deus, eu reconheço,que toda vez que estou chateada,você me manda sinais. Sinais constantes de que a vida vale a pena e que eu estou, apesar de toda a minha dificuldade, destinada a ser feliz. Faltando apenas que eu decida por isso. Foi como aquela vez em que eu estava tão triste e encontrei estrangeiros que vieram me dizer que em seu país, eu seria considerada tão linda, que muitos parariam para me ver. E quando minha autoestima está muito baixa, eu ganho prêmios e oportunidades inexplicáveis, como se o universo tentasse me consolar. Além disso, todas as vezes que rezei para tentar concluir algo sobre esse amor que me fustiga o peito, você fez esse amor voltar. E eu concluí que existia amor,embora logo depois,eu tivesse que mudar de idéia de novo, porque o mesmo amor, me deixava pra trás. Mesmo assim, o universo conspirava,nesses momentos de tristeza, para que outras coisas funcionassem. É como se ele me disesse : vai, confia. Vai, mergulha. Não fica com medo, seja. O universo é todo pra você e você é toda para esse universo. Esse é esse lugar. Você tem tudo que você precisa, pra ser feliz." Até os encontros que eu tive e tudo que pude aprender com eles, as filosofias de vida que pude aprender, adotar, conhecer, tudo me empurrava para a felicidade, enquanto eu me debatia, negava, matava a felicidade, fugia dela.
            Deus, perdoa a minha fragilidade humana. Me dá coragem e força pra ser esse me outro eu, que existem em mim e que não tem medo de nada, de tanta fé na vida, porque só assim, eu vou seguir os seus sinais. Esse meu eu sabe que pode vencer tudo, pode vencer os apelos do ego, porque conheceu o amor. E viveu esse amor para si. Minha querida Adélia Prado pedia, do alto dos seus muitos anos de idade, que Deus a curasse de ser grande, pois já não queria nada. A velhice a cansava e só queria ser humana e frágil. Eu lhe peço a coragem contrária. Me dá coragem pra ser grande. Me dá coragem para assumir de vez a postura decidida de que, não importa o que aconteça, eu vou sobreviver, mesmo que pareça que os machucados do meu ego podem me matar. Me permita saber, de uma vez de todas o que eu já dei meio enviesado, num instinto torto,no qual não confio,porque não sei confiar,não pratico confiar. O instinto que me diz: você é forte, você vai ser feliz, não importa o que aconteça. Tudo vai passar, você pode ter o mundo, se o desejar. Ele é feito pra você, e você pra ele. Me faz correr nessa direção, no sentido desse sentimento, Deus, e me protege naquilo que não posso controlar,masque pode me destruir. Os pequenos acasos que tantas vezes decidem nosso futuro. E o mundo é meu e feito pra mim porque eu posso aproveitar tudo, posso viver tudo. Há tantas possibilidades. E eu quero vivê-las, Deus. Eu não quero mais ficar triste, perdida, afundada na minha própria solidão. Me dá coragem, Deus. Me dá coragem pra amar: o mundo, a vida, a mim mesma. Me dá coragem pra ser grata, ao invés de ter tanto medo, tanto receio e tanto ressentimento. Me dá coragem pra perdoar - o perdão que é tão divino. Me dá coragem para viver o amor divino, que é o amor que move o mundo, que é o amor de todas as coisas por tudo. Me dá coragem de ser.
            Eu te amo, Deus.”  

O morro dos ventos uivantes.


            Havia um morro, tão bonito que doía no coração diminuto pela beleza das coisas da vida. Amou aquele morro como amara paisagens, vistas de janelas e as diferentes incidências dos raios solares nas paredes da sala de casa, ao longo das estações do ano. Quando descobriu que amava a vida, tinha apenas 15 anos. Passava horas e dias caminhando pelas ruas, absolutamente absorta pela beleza do mundo. Como seria dormir e acordar naquela casa amarela, que o sol bate pela manhã, ou na casa alaranjada que pega o sol da tarde? Cada casa era abrigo de sonhos, laços e de universos subjetivos tão intensamente diferentes que isso também doía de bonito. Cada casa era uma vivência de mundo diferente. E queria todas. As árvores se estendiam a sua volta, em uma disputa acirrada na demonstração da beleza incerta e absurda do universo. Passaram por aquelas árvores, imensas e teimosas em suas raízes, tantas gerações de uma mesma família. Aquelas árvores morrerão e serão, nas minúsculas partículas que as compõem, tantas outras gerações de outra família. Sentia-se parte de tudo e sentia tudo parte de si. Aquilo era mais comunhão do que o catecismo. Comunhão com o universo. E amava os sussurros do vento quando esse acariciava o morro, em toque seguro e afetuoso de uma velha amizade. Acordava às vezes com a canção do vento e sentia como se todo o universo tivesse chamando-a para a vida. Convidando a tentar entender uma mensagem que o vento soprava baixinho. Sempre ventava perto daquele morro. E não importava o caminho que tomava pra casa, ela o via – aquele lindo morro. Estava sempre lá, como uma grandiosa e estável presença que vigiava seus passos, lembrando algo de paternal e divino. Morava no pé daquele morro e o amou intensamente porque sempre encontrava nele um motivo pra amar a vida, ainda que tudo naqueles tempos secos e solitários fosse difícil. Amou aquele morro silenciosamente como se ama as coisas da vida inexplicáveis em sua beleza perene. E amava-o calada porque como explicar tanto amor por aquele morro. Era, sem dúvida, o mais bonito morro do mundo - sem precisar averiguar todos os outros, ela sabia. E bem ali, tão perto, aquela escultura tão bonita. Às vezes, ele era inundado pelo sol entre meio-dia e duas horas da tarde e cobria-se de um verde brilhante que combinava quase propositalmente com o azul do céu. Às vezes os raios de sol batiam só em uma parte da sua vegetação rasteira e dava a impressão de uma mensagem dos céus. Às vezes as nuvens projetavam-se sobre ele criam padrões de iluminação e sombra que nenhuma tecnologia poderia capturar como os olhos viam. Sempre sorria diante daquela beleza, sempre lembrava como amava a dádiva da vida, quando reparava naquele morro. Aquele morro estivera sempre lá, uma lembrança verde e imensa do que valia a pena. Mesmo nos dias em que pensou que poderia perder o pai, o morro a fez sorrir. Essa interminável beleza da vida torna a tristeza fadada ao dissolvimento, ainda que se tente se agarrar a ela. Amou, então, silenciosamente, quase secretamente aquele morro por anos. Mas sonhava com o dia em que poderia contar a alguém como descobrira que o segredo da felicidade vivia num morro que via da janela de casa. E que o vento que sempre passava por ali, sussurrava para ela tantos mistérios indizíveis que molhava os olhos. E esse alguém compreenderia, sem teorizar, nem racionalizar, só com o sentimento. Guardou esse pensamento em segredo, como uma souvenier que um dia poderia oferecer a alguém, como um pedaço da sua alma. E viveu.
            Veio então o tempo de luz. Foi a primeira vez que amou. Eles tiveram tanta sorte. Amor é uma coisa rara. Ela sabia porque observava. Parecia que estavam todos sempre em uma luta triste e interminável para tentar compensar suas próprias frustrações, em uma disputa medonha para obter poder através dos outros, em uma corrida sem fim para compensar os erros do passado. Os sentimentos se perdiam no meio disso. Não havia espaço para o amor. Não se encontravam os momentos das pessoas. Se um precisava amar um outro alguém, o outro precisava amar a si  mesmo.  Sintonia era difícil e a vida era um mar sem fim de tempos errados. Mas ela o encontrou, quando decidiu que queria viver já algo que lhe fizesse bem, ao invés de um sofrido e silencioso amor. E ele a encontrou quando decidiu que queria tentar se entregar para alguém. Foi uma confluência de vontades perfeitas se encaixando devagarzinho. Até o universo nos pequenos empecilhos do dia-a-dia parecia conspirar. Todo dia aquela vontade aparecia e crescia, nas horas de conversa, todos os dias, tantos dias. Um desejo quente, que dava choques e empurrava preguiçosamente em direção ao outro, com a certeza de que se chegaria lá. E chegou. Que sorte – ela pensava. Tanta coisa pra dar errado, tanta insegurança de ambos os lados e foi dar certo. O desafiante e feliz sorriso de um encontro que tinha tudo pra dar errado, dando certo, nasceu no seu rosto. Ela não podia mensurar o que se passaria então, o sonho de amor que sempre sonhara sendo vivido como se a vida fosse cinema e a arte realmente imitasse a vida afinal. Lembrava-se quantas vezes teve que se controlar, por chamá-lo pelo nome “amor”, até o dia em que ele veio lhe confessar que sem querer às vezes, quase a chamava  “amor”. A boba coincidência que imprime o amarelo da felicidade ao tom das memórias dos dias. Ele sentira tanta vergonha de confessar naquele dia, o apelido carinhoso, que o coração dela ficou apertado percebendo quanto sentimento cabia naquele momento. Foi amor quando numa das primeiras noites que passaram juntos no apartamento recém-comprado pela mãe dela e ainda desmontado, ele cochilou alguns minutos nos seus braços, tão perto que podia ouvir a respiração dele. E ela sentiu que ele estremeceu nos seus braços, num daqueles impulsos involuntários de sono que ela mesma já experimentara tantas vezes. Sentiu o coração inundado de sentimento na confiança mútua que representa aquele momento, e quis protegê-lo do mundo e do mal qualquer viesse, com toda a sua vontade. Nunca desejara tanto bem a um corpo concreto, uma vez que aquele pequeno corpo nos seus braços encarnava tudo: risos, sorriso, choro, gestos, tiques, gaguejos, voz, sentimentos, medos, sonhos, doçura e tudo mais que era ele. Não sabia que podia desejar tanto bem e amar tanto um corpo. Sentia vontade de chorar só de vê-lo e sentir sua presença, ou de não senti-la. E sentira-se forte. Absurdamente forte para a sua condição humana. É incrível como a sensação de ser amados nos torna quase invencíveis. O mundo se torna um lugar alcançável, a vida, um leque aberto de possibilidades infinitas. A felicidade é fácil. Lembrava-se das sextas-feiras que ele a levava em casa e então logo depois se falavam de alguma maneira e ele falava que já estava com saudades, enquanto ela mesma reprimia a saudade que sentia e que era uma sensação quase física. Quase não, era física. A ausência do corpo do outro como falta de uma parte do seu próprio corpo – nunca sentira algo tão forte. Ele queria saber da sua vida e de seus desejos e ela sentia que era sincero. Lembrava-se que em uma dessas tarde em que estiveram juntos, por nenhum motivo especial, nem por alguma palavra dita, mas pelo correr dos dias com a companhia dele, sentiu-se amada em tudo que era. Nunca se sentira tão forte. Era incrível, como um poder de ordem espiritual. Soube naquele momento, que era feliz. Compreendeu o que era felicidade ao lado dele. Não era um objetivo, nem um caminho, mas a forma como se caminhava – ele dizia. E ela sabia, exatamente porque, era feliz. Não tinha tudo que precisava e havia um longo caminho a percorrer, mas podia se considerar já feliz, porque se sentia, por ser amada, boa o bastante para conseguir tudo que quisesse. Sentia-se que por ser amada, todos os caminhos se abriam, e o mundo era infinito. Aquilo era felicidade, ela soube. Não é alcançar, não é conseguir, é tentar e enquanto se tenta sentir-se daquela maneira próxima a alguém.  É assim que devia ser o amor, ela sabia. Encontrar alguém enquanto se percorria o seu caminho e de repente, dividir tudo que mais importa pra você e construir junto com essa pessoa, a vida que sempre se quis. Assim que devia acontecer, assim que tinha que ser. Amor tinha que ser trampolim para a vida - não roubar-nos dos nossos sonhos e sim, entregar-nos a ele. Pela primeira vez, não se sentia sozinha de nenhuma forma, sentia-se verdadeiramente acompanhada.  Em tudo que queria fazer, em tudo que queria ser, nos mais íntimos desejos e planos. E foi amor. Foi amor porque não era só sobre ele. Todo esse sentimento, era sobre se encontrar, ela sabia. Ele veio e tornou claro pra ela os grilhões que a prendiam e a impediam de viver pra além da subsistência. Mostrou o caminho para a liberdade. A independência. Pra escapar à tristeza que sufocava. Não há amor mais bonito do que aquele que cultiva a independência, os sonhos e o desejo do outro. Porque independência significa mesmo não depender daquele que ama. E eles tiveram isso. Era incrível, inacreditável, digno de registro cinematográfico. A vida é tão rara. E ela sentia-se vivendo, finalmente as belezas da vida não teriam que ser apenas o consolo da tristeza e da solidão. Agora, tinha um plano e tudo fazia sentido. Mas era tão raro, tão difícil. Via que as pessoas passavam metade do tempo degladiando-se contra seus próprios medos e inseguranças, projetando-os nas pessoas e buscando desesperadamente sobreviver ao explosivo encontro com o outro. Ela assistia isso o tempo todo a sua volta. Será que ele entendia também? Será que via a sorte que tiveram? Será que ela conseguia acompanhá-lo de verdade e ele nunca se sentiria sozinho, ao lado dela?  Só queria alguém que pudesse acompanhá-la na construção dos seus sonhos. “Seu amor me salva e me devolve aos meus sonhos’’, dizia o livro que ele quis que ela lesse. Era isso. Ali estava ela, entregue de novo a si mesma, porque o amor a salvara. Lembrava da vontade que tinha de vê-lo um dia dali a uns anos, abraçando seu pai e dizendo de coração que o ama, só porque eu sabia por instinto o quanto ele precisava daquilo. E quis um dia guiá-lo pela rua onde ele duvidou do próprio sucesso, pra mostrar-lhe como todas as dúvidas e medos ficaram pra trás. Gostava até mais de si mesma, por desejar tão genuinamente a felicidade de alguém. Em uma das tardes de sexta-feira que ele a levara em casa, ele viu o morro. E disse, sem pretensão de poesia, tornando tudo mais poético. “Esse morro é muito bonito.”  Ele disse, nomeou aquilo que vivia silencioso em seu coração, por tanto tempo, à espera de alguém que pudesse ouvir. Tentando não chorar, porque entendera o simbolismo daquele momento e tudo que ele sempre seria pra ela, apenas conseguiu dizer “eu também acho”. Deixou pra lá a poesia, o que importou foi a certeza intuitiva em seu coração, como se a vida a tivesse presenteado com revelação de tudo aquilo que ela andara procurando: alguém pra dividir os sonhos.
            O amor acabou. Por motivos e razões que talvez nenhum dos dois chegue a entender - as coisas terminavam. O amor não foi suficiente. E ela tremia diante da visão do quanto se entregou e do medo que a cercava, desafiando-a: você vai ter coragem de fazer isso de novo? Ela não queria o fim, e ele não conseguia deixar de findar tudo e o que era tão importante, no meio das pequenas tragédias cotidianas e das dores e obsessões que lhes assaltava qualquer feixe de luz e de graça que atravesse as vidraças foscas e estilhaçadas dos seus corações, ficou pra trás. Viraram outro clichê, outra impossibilidade de amor nesse mundo de expansivo desamor. A vida que surpreendeu com a sorte daquele encontro, tornou-o também eternamente impossível de se consumar completamente. Voltara ao deserto que era sua existência. Voltara aos tempos de secura e frieza. Ele dissera que tinha que ir embora, deixá-la só, mais uma vez, como fizera muitas vezes. Ela havia se apegado sempre e por muito tempo à felicidade que conheceram. Ele escolhera se apegar à dor, à insegurança, aos medos, à solidão. Ele explicava que não estava pronto pra se relacionar com alguém, nem viver com alguém. Não confiava em si mesmo, se estivesse acompanhado. E ela não confiava em si mesma sozinha. Como as coisas chegaram aqui, se ainda há esse massivo amor, tão repressivo, que lhe aperta o peito?

            Viu o morro, aquele dia, depois de meses sem reparar nele. O morro dos ventos uivantes. Que beleza triste ele tem – ela via agora. Sempre firme e persistente no mesmo lugar, esperando o vento, que vinha, cantava e ia embora,quando bem entendia, livre e solto como o morro jamais será. Era tão bonito o morro, mas seu destino era ficar. Que triste destino, ser deixado pra trás. Mas amava o morro, como o amava. E o amava tanto, porque ele ficava. Amaria-o para sempre, silenciosamente, aquele lindo morro. “Diz que amanhã vai dar vento” – ela disse. E sorriu, como sempre fazia no fim.  

Aquilo do que eu me arrependo.


            Me arrependo de ter sido tão cruel e tão injusta com você, tantas vezes, coisa que você nunca o foi. É verdade que você tem uma certa delicadeza, uma postura respeitosa, até diante  dos conflitos mais pessoais, que eu não tive.
             Me arrependo porque ainda fico nos vendo como tão confluentes em nossas escolhas e até nas coisas mais simples. No virtualíssimo contato que ainda tenho com a sua ausência, ainda vejo as coisas que você faz, que você valoriza, que você curte e antes mesmo que você possa fazê-lo, eu já sei que o fará, só porque também foi minha vontade agir da mesma maneira.E às vezes até sem eu ter ideia, nos vejo confluindo,como se uma força nos puxasse para os mesmos lugares até nos detalhes mais inimagináveis. Isso é a força do que construímos juntos, do novo eu e do renovado você, que brotaram de nós? Ou é algo maior e mais transcendental,já que até naquilo que nunca declaramos um ao outro, nos aproximamos?
            Me arrependo da minha própria solidão, das dificuldade que é pra mim vivê-la. Esse sentimento de eu-deserto, de não haver uma pessoa sequer no mundo que se importe de maneira a me fazer sentir única e especial. Como você pode ver conforto nisso, não sei.
             Me arrependo de, quando você  primeiro me disse que não sabia se estava tão envolvido como eu, eu não ter visto isso como um medo seu, tão agarrada que eu estava aos meus próprios medos. Me arrependo de neste momento ter despejado um monte de frustrações e ter começado a falar dos seus defeitos, como num ato desesperado pra rejeitar um pouco também, aquele que me rejeitava. Mas será que depois de tanto tempo, de tanta coisa que tinha acontecido entre nós e de tantas vezes que você voltou e me deixou pra trás de novo, por motivos tão parecidos, eu poderia esperar algo diferente de mim mesma?
            Me arrependo porque uma vez você me disse que eu era a pessoa mais equilibrada que você já conhecera, porque apesar de todos os nossos desentendimentos, eu jamais havia te faltado com respeito, jamais tinha tentado te machucar gratuitamente, ou propositalmente. Eu gostei de me pensar assim desse jeito novo pela luz que seus olhos lançavam. Agora, depois d'eu ter por tantos meses insistido em falar com você, ou em brigar com você, vez após vez, você já não deve ter a mesma opinião. Talvez seja justo, porque eu mesma sei que não fui justa, que te machuquei e não considerei a sua própria fragilidade, diante da minha.
            Me arrependo por ficar achando que você pode ter me deixado porque no fundo me acha uma fraude, que nunca me entreguei de verdade para os meus próprios desejos como você se entregou para os seus.    
            Me arrependo de ter me tornado tão amarga, de ter ficado tão triste nos últimos meses que pouco tinha forças pra viver. Me arrependo de ser tão dramática, todo o tempo e de nunca mais ter conseguido levar as coisas entre nós, de forma mais leve(talvez sirva de consolo que isso não é assim só entre nós?). Me arrependo de não ter te deixado me ajudar, me elogiar e participar das minhas coisas, nas últimas tentativas, quando você oscilava entre se afastar e se aproximar e curtia o que eu postava, curtia foto, mandava mensagem, ou falava o quanto não resistiu a uma foto minha antiga, de quando eu era criança.
            Me arrependo da minha própria infelicidade e de sofrer tanto e por tantos meses.
            Me arrependo de todas as palavras de ódio que dirigi a você, quando tudo que realmente e acima de tudo dói, por baixo de todo o ego contrariado, é a falta tão grande que você me faz. E é ela que realmente me faz chorar.
            Me arrependo de não ter sido mais, não ter sido mais impositiva, mais forte, ter te convocado mais para vida, como você me convocava.Eu ficava passiva, deslumbrada diante da sua energia e força. Mas você precisava que eu te chamasse, demonstrasse mais também a minha participação por escolha própria, você precisava, eu acho, até que eu te respeitasse menos em alguns sentidos, que eu te idolatrasse menos.
            Me arrependo de ter me tornado quem eu sou agora, porque a maior parte do tempo,não me sinto eu mesma, só uma cópia mal feita e mal desenvolvida. Não consigo no meu dia-a-dia e na minha vivência cotidiana, expressar tudo o que eu sou e com você, eu conseguia.
            Me arrependo porque me tornei só raiva, recalque, insatisfação e eu não sei muito bem como fazer pra sair disso. Me arrependo da minha falta de amor.
            Me arrependo por não conseguir me entregar pros sentimentos de que eu sou maior do que tudo isso, maior do que minhas dores mesquinhas.
            Me arrependo da falta que você não sente de mim e me arrependo de me achar uma fraude tão grande, de me depreciar tanto,quando talvez eu não mereça. Me arrependo uma hora no sentido de destratar a mim mesma, outra no sentido de não me destratar o suficiente.
            Me arrependo de não conseguir me entregar para o sentimento de amor universal que tudo perdoa e a tudo ama, porque tudo é amor.
            Me arrependo de não poder voltar no tempo, como se isso fosse não só possível, mas minha única e total responsabilidade, quando não é nada disso.Sinto saudades, tantas saudades, dá época que nos conhecemos, aquele entusiasmo e a forma como você parecia realmente estar se apaixonando também. Faria tanta coisa diferente, e tanta coisa eu faria a mesma coisa igual.
            Me arrependo de ter usado suas fraquezas contra você, ter jogado-as na sua cara e ter colocado tanta ênfase nelas, como se você jamais tivesse mudado, ou evoluído em nada apesar d'eu ter certeza que só foi ficando cada vez mais difícil te deixar pra trás, como você me deixava, porque cada vez mais eu me sentia próxima, tocada, amada.
            Me arrependo por você,como se eu pudesse, de você não ter jamais decidido que eu valia a pena, que nós valíamos a pena o suficiente para você deixar esses medos pra trás.
            Me arrependo por  você, porque queria tanto que mudasse a sua opinião, de todo o peso que você avalia nos cercando sempre, por conta de todo o nosso histórico e que impediria para você que tudo soasse natural. Me arrependo porque você não enxerga esse peso como a base de todas as coisas boas também e não só as ruins. Me arrependo porque não parece que você entende esse peso como o motivo, afinal, pelo qual tivemos importância um para o outro. Me arrependo porque seu próprio impulso de aprofundar as coisas foi que construiu esse peso também, ainda que, chegando ao profundo, você não consiga sustentá-lo, por medo, por fraqueza, por seja o que for.
            Me arrependo porque posso ver um dia, você dizendo pra outra pessoa por quem você esteja apaixonado, que eu não tive tanta importância assim, porque no final das contas, você não ficou comigo. Mas essas coisas que são suas, cabe a mim me arrepender? O que eu poderia ter feito? Poderia ter feito algumas coisas de outra maneira,mas isso realmente garantiria o fim do medo que é seu e contra o qual, só a sua própria força pode lutar?
            Me arrependo de ainda estar tão envolvida nessa história e tão tomada por aquilo que você se recusa a viver. Me arrependo de nunca ter sido mais como você, de nunca ter querido realmente alguma na vida tanto e com tanta força, como eu quis, e ainda quero, ser amada. Me arrependo porque também acho que ser amado é também tão importante pra você, que você recusa totalmente a importância desse ponto que é o único que ainda te é muito difícil. Você tira o peso disso, como se fosse algo que naturalmente fosse vir. Mas não é, nem é leve pra você, como você queria que fosse.

            De todas as outras coisas das quais também poderia me arrepender, não me arrependo de mais nada. Não me arrependo de ter amado, nem de ter vivido. E tudo que eu vivi foi tanto (será que você também sente ainda que viveu tanta coisa assim comigo?), que acho que essa é uma lista bem breve(valeu a pena, então, mesmo doendo tanto?) de arrependimentos. 

quarta-feira, 8 de abril de 2015

"Eu te amo, homem, hoje como toda vida quis e não sabia, eu que já amava de extremoso amor o peixe, a mala velha, o papel de seda e os riscos de bordado, onde tem o desenho cômico de um peixe — os lábios carnudos como os de uma negra.
Divago, quando o que quero é só dizer te amo.
Teço as curvas, as mistas e as quebradas, industriosa como abelha, alegrinha como florinha amarela, desejando as finuras, violoncelo, violino, menestrel e fazendo o que sei, o ouvido no teu peito pra escutar o que bate. Eu te amo, homem, amo o teu coração, o que é, a carne de que é feito, amo sua matéria, fauna e flora, seu poder de perecer, as aparas de tuas unhas perdidas nas casas que habitamos, os fios de tua barba.
Esmero. Pego tua mão, me afasto, viajo pra ter saudade, me calo, falo em latim pra requintar meu gosto:
"Dize-me, ó amado da minha alma, onde apascentas o teu gado, onde repousas ao meio-dia, para que eu não ande vagueando atrás dos rebanhos de teus companheiros".
Aprendo. Te aprendo, homem. O que a memória ama fica eterno. Te amo com a memória, imperecível.
Te alinho junto das coisas que falam uma coisa só: Deus é amor. Você me espicaça como o desenho do peixe da guarnição de cozinha, você me guarnece, tira de mim o ar desnudo, me faz bonita de olhar-me, me dá uma tarefa, me emprega, me dá um filho, comida, enche minhas mãos.
Eu te amo, homem, exatamente como amo o que acontece quando escuto oboé. Meu coração vai desdobrando os panos, se alargando aquecido, dando a volta ao mundo, estalando os dedos pra pessoa e bicho.
Amo até a barata, quando descubro que assim te amo, o que não queria dizer amo também, o piolho.
Assim, te amo do modo mais natural, vero-romântico, homem meu, particular homem universal.
Tudo que não é mulher está em ti, maravilha.
Como grande senhora vou te amar, os alvos linhos,a luz na cabeceira, o abajur de prata; como criada ama, vou te amar, o delicioso amor: com água tépida, toalha seca e sabonete cheiroso, me abaixo e lavo teus pés, o dorso e a planta deles eu beijo."

Adélia Prado, sempre ela tão eu. 
a
AAaaSA

terça-feira, 31 de março de 2015

                Eu escrevo para você, mais uma vez, porque quero que você saiba que eu te amo. Apesar de tudo, inclusive da própria humilhação e tristeza que esse sentimento muitas vezes pode me causar, eu o amo e talvez ainda te ame, daqui até a muitos anos. Hoje em dia, de vez em quando numa tarde distraída,  me capturam ainda as mesmas perguntas que não posso fazer. Será que você está bem? Será que já está com outra pessoa? Essa outra mulher, será que você a ama? Você a ama mais do que jamais me amou? Será que é aquela sua amiga que de quem você de vez em quando comentava, ou é alguém que eu jamais poderia imaginar? Será que você já me esqueceu ou ainda pensa em mim, de vez em quando? Eu vi hoje na televisão um programa de variedades qualquer e desimportante. Um padre falava sobre amor verdadeiro. Ele dizia que quando você encontra alguém que mude tudo pra você, que faça voce correr atrás do que você é e o que você ama e te dê forças pra fazer tudo isso e ser autêntico, aí você deveria se apegar, porque esse seria o amor verdadeiro. Ora, eu me apeguei. Dei tudo de mim que podia e não podia. Você me mudou completamente e ao seu lado eu fui mais forte do que jamais havia sido. Mas será que em algum momento você se sentiu da mesma forma em relação a mim? Eu tento e tento lembrar de pistas de que sim, ou de que não. Para entender aquilo que não posso aceitar, para entender que você foi embora e porque.
                Depois inevitavelmente eu mergulho no profundo mar de tristeza, nadando contra uma corrente que me puxa, questionando: o que eu havia feito de tão horrível para você querer se afastar com tanta obstinação? Por que é que você tem que me esquecer? Você foi tão bom para mim e eu devo tanto a você. E você sempre será importante para mim, mesmo se um dia eu por ventura, não te amar mais.  Eu me lembro no início, como você investiu em mim de uma forma tão altruísta. Combinávamos que caso alguém fizesse alguma besteira, ficaria “devendo” uma espécie de compensação para o outro. E quando isso aconteceu,você me pediu para ler livros que pudessem aprofundas alguns interesses que eu já tinha. Você queria que eu mergulhasse de cabeça, que eu me entregasse pros meus desejos. E eu o fiz. Descobri o que eu mais gostaria de estudar na História, por sua causa.  E além de me estimular, você ainda debatia comigo, conversava comigo, me fazia explicar pra você, o que eu tinha lido. Nunca ninguém investiu em mim assim e quis tanto que eu desse certo dentro das minhas ambições e quis tanto também me acompanhar nelas.
                Me lembro das muitas pequenas coincidências e a forma como tudo fluía para que a gente desse certo, ficasse junto: quando eu cismava que ia te encontrar, por motivo nenhum, por nenhuma pista, só por te querer por perto e você aparecia. Quando por coincidência passávamos pelo mesmo lugar ao mesmo tempo. A forma como muitas vezes eu pensava as coisas e você falava por mim. Tudo isso é tão bonito na minha cabeça,mas deve ser tão difícil acreditar pra quem está de fora, até pra você. Porque eu nunca falava nada,só vivia o momento e aquele sentido de que se está no lugar certo. De que todo o universo devia conspirar pra aquilo. A sorte que nós tínhamos no início. Até quando algo dava errado, soava certo por circunstâncias que se formavam. Isso era estranho e bom. Tivemos tanta sorte. Nos encontramos justamente no recorte de tempo perfeito, pra você e pra mim, para nos apaixonarmos. Momento único, em que tanto você e tanto eu estávamos tão dispostos a isso e a várias benignidades. Momento perfeito da vida, ainda sem tantas responsabilidades tão sérias e momento perfeito subjetivamente, quando você e eu sonhávamos em viver tantas coisas – ansiávamos até por essas responsabilidades que ainda não nos presssionava. Que tempo maravilhoso pra se apaixonar, que momento otimista. Foi um encontro extraordinário, em todos os sentidos dessa palavra. Foi raro. Mas sempre fui tão consciente dessa raridade, quanto acho que você foi pouco. Você nunca pensou que não poderia me substituir e em grande parte porque você nunca quis pensar isso de ninguém e se colocar nessa posição de dependência. Lembro das muitas vezes em que nos separamos e eu sempre sonhava com o dia em que você voltaria e seria como na "Festa de Babette". Você se lembra desse filme? Você se lembra como nós fomos feliz assistindo-o, debatendo-o e como você sonhou junto comigo o trabalho que eu faria sobre ele? Lembra que enquanto os personagens se libertavam da opressão de um mundo conservador para descobrir a satisfação pessoal, eu e você descobríamos também aos pouquinhos, como a luz que vai cada vez mais e mais iluminando a cada cena até a escuridão não ser mais predominante, a felicidade? (Eu estava lá sozinha nisso? Foi coisa da minha cabeça). Desejei que você um dia me diria, como o capitão do filme diz pro seu eterno amor que ele nunca pode viver: "Eu estive com você todos os dias de minha vida. Me diga que sabe disso." E eu responderia que sim, com uma certeza simples e emocionada, como a protagonista do filme. E eu saberia. E você me diria " Você também tem que saber que eu estarei com você todos os dias que me forem concedidos, daqui para frente. Todos os dias, eu sentarei para jantar com você. Não só (aqui você incluiria o só, para me mostrar que estaria realmente presente) com meu corpo, porque só isso não é suficiente, mas com a minha alma. Porque eu aprendi essa noite, minha querida, que nessa vida, todas as coisas são possíveis." 
                Você me diz que somos diferentes: minha reação à rejeição que eu sentia vindo do mundo foi me projetar internamente. Eu não me permito demonstrar muitos sentimentos, eu não falo muito, falo baixo e ando curvada, como quem quer se esconder. Não sou intensa, não sou expressiva e nunca fico puta. Já você, você se projetou pra fora,pra ser ouvido. Fala alto,se expressa bem, coloca todo seu sentimento na sua expressão. Bem, você estava errado. Não há nada de pouca intensidade em mim e você não entendeu: meus modos controlados, essa expressão facial que pouco se modifica – essas são defesas que eu construí para mim, para lidar o quão transparente eu sou. Você mesmo admitiu: sou muito transparente. E transparências e intensidade me tornam o mais vulnerável dos seres para qualquer um que queria me machucar, me negar, me rejeitar.Eu já vivi tantas frustrações nesses sentido, tantas vezes me sentia presa pela vergonha que era demonstrar minha própria decepção e minha própria animação. Como alguém poderia me julgar agora por mal saber rir, mal saber entregar minha linguagem corporal para quem eu sou? E há o contraste: você, que tanto se expressa, mas no fundo, tão pouco se entrega, tão pouco ultrapassa os limites da sua confortável solidão. Tanta elouquência e hoje me parece que talvez houvesse pouco de você, por tanta coisa que você não fala, por tanta coisa que você omite e deixa subentendido. Eu me sinto num jogo de mistério vivo, tentando adivinhar que pequeno detalhe do seu discurso eu estou perdendo e que vai me dizer um pouco mais sobre você. Eu sempre erro o palpite e descubro meses depois o que realmente pesou, o que realmente aconteceu. Você usa às vezes um véu, tão impossível de retirar. Meu riso contido com tanta força e a face de indiferença que aprendi a fazer são coisas de amador perto da sua maneira de se esconder.
                Você me disse que somos diferentes porque, embora tenhamos experienciado uma rejeição muito parecida e em momentos similares de nossas vidas, eu sentia a rejeição com as palavras duras que me eram oferecidas. E por haver tanta comoção, mesmo que fosse para me ofender, ou me culpar, eu poderia saber, minimamente, que a mim não eram indiferente. Por isso, consigo me abrir mais para as pessoas, mais do que você jamais pode se abrir. Para você, só foi oferecido silêncio, é o que diz. E você pressupõe que, sendo isso que você estava acostumado a vivenciar, se relações em que o subentendido paraiva no ar, todo tempo, quando se tratava de tudo que era importante, pesado, sentimental, para você, seria possível viver uma relação que não necessita grandes demonstrações de afeto, nem uma nomeação constante da importância do outro. Eu por outro lado – você diz – preciso dessa nomeação, preciso dessas palavras. Talvez você pense, ou tenha um dia pensado que, sou compatível com você, uma vez que na sua própria interpretação a minha falta de expressividade pouco significava para quem vivia de silêncio. Mas isso você também não entendeu: não só nunca fui calada, como é justamente por eu nunca ter me calado sobre nada que você tanto insistiu em mim. Nunca, nenhuma vez, eu poderia deixar as coisas por dizer, ou subentendidas. Nunca poderia ficar sem conversar, sem tentar resolver com diálogo, qualquer mal entendido. Eu te procuraria e conversaria e você sabia disso e foi por isso que te conquistei minimamente, tenho certeza, embora muitas vezes a minha necessidade de colocar tudo às claras atravancasse o ritmo natural das coisas. Mas também quando atravancava – quando eu ficava paranoica em tentar conversar – não havia nada de natural no que estava se sucedendo, ou raramente havia. Era muitas vezes você tentando me afastar de forma abrupta, de maneira a impor seu ritmo para as coisas, ou de tentar se esconder.  Nós somos parecidos,veja você, até na nossa vontade de ter controle de tudo. Por isso você tenta me controlar para me manter a uma distância (embora sem muito sucesso, porque se considerarmos a minha passividade, você fez a maioria dos movimentos significativos que tanto nos aproximaram) e eu tento fazer de tudo para controlar o tempo todo, todo mundo, para não ser rejeitada,como se as pessoas não tivessem direito a fazê-lo. (Também somos controladores da rotina,embora pra você isso dê tanto resultado, e pra mim, tanta frustração.)
                Eu sempre me pergunto o que você acha que poderia me dizer que seria tão terrível para você. O que pode ter de tão horrível? As dores que você tem e viveu, conheço por instinto, por identificação e amor, que me fazem entender o que você cala. Mas quando você nomeia, isso faz toda a diferença. A questão nunca foi que eu não soubesse, que eu não te entendesse, ou não conhecesse toda a sua fragilidade. Eu conheço e a amo, desde o início, de uma forma muito profunda, como se as suas decepções fossem minha memória -  e foram,de tão parecidos que somos. A questão sempre foi não nomear sua fragilidade. Como se nomeá-la fizesse com que você se tornasse essa fragilidade e só isso. E principalmente, a questão sempre foi nomeá-la para mim. Porque mesmo que eu saiba de tudo  que fica implícito,mesmo que eu saiba por me conhecer bem e saber, exatamente, como você se sente só de me sentir, se você não conversa comigo sobre o que te incomoda de verdade, o que te desestabiliza, você não me deixa participar. Você não me deixa me tornar parte de quem você é.
                Eu também errei em tanta coisa.  Você tem razão quando diz que eu não entendo como  fui especial pra você . Eu não entendia, eu nunca entendi, que eu era parte também de tudo que você estava construindo, do que você estava se tornando. Mesmo que você não dissesse, mesmo até que você não tenha querido. Você também entendeu isso? Será que vê? Todas as coisas que você se tornou e que hoje te descreveriam em um mundo muito teórico dos adjetivos – que tantas vezes são infiéis à nossa complexidade – tudo isso, historicamente, você construiu comigo. Era eu que estava lá para o bem e para o mal. Para conversar com você e debater e te acompanhar enquanto você forma as suas opiniões. Para discutir também e acabar criando outras percepções várias que foram se entrecruzando para formar quem você é.. Era eu que estava lá quando você construía suas opiniões as mudava, quando você criou sua rotina, quando você criou sua vida. Foram três anos de muita presença e coisas tão importantes e eu só entendi isso quando você me disse que eu era sua melhor amiga. Meu coração transbordou de alegria em meio a dor, quando você disse essas palavras.Se encheu como um balão e parecia que não cabia em si. Eu quis tanto alguém que estivesse sempre ao meu lado e que fosse, antes de tudo, o meu melhor amigo. Eu nunca poderia imaginar que isso fosse assim com você. Mas pensando bem, é. Eu estive ao seu lado, mesmo quando você não me queria por perto, nos seus momentos importantes, nos seus altos e baixos nesses últimos anos que tem sido os anos mais importantes das nossas vidas. Como negar que tive importância? Como ao mesmo tempo, saber disso, se parece eu mesmo assim, você me mantém a uma distância segura, sempre suficientemente longe pra poder recuar e desistir?  Às vezes queria que tivéssemos conversando menos sobre profundidades e mais sobre assuntos corriqueiros. Queria que você comentasse seu dia, me deixasse suas impressões sobre as coisas que você vivia no dia-a-dia. Às vezes parecia que havia tanta coisa que você pouco me falava. Como as várias amizades com meninas que você cuidadosamente omitiu. Mas isso é o de menos. Queria te acompanhar no seu dia-a-dia e você não me contava. Talvez porque você nunca também poderia imaginar que alguém pudesse estar tão interessado no seu dia e nem o porquê.
                Como você nunca sentiu que eu te amei, que eu gostei de você e que eu realmente me importava? Com isso não me conformo. É tão absurdo que faz parecer que tudo é mentira e que você está me enrolando. Quem, no mundo, não sabe que eu te amo a essa altura, além de você mesmo? Parece que foi erro meu, que tem algo que eu não fiz, que eu deixei de fazer? Será que o que tanto faltou, o que te faria ver, seria se eu não aceitasse sua ausência, se eu te fizesse ficar? Mas eu já fiz isso, você se lembra? Você lembra como me recusou e mesmo assim eu estive atrás de você, porque sabia que estava vivendo o momento em que você mais precisava de alguém na sua vida e mesmo assim, você não clamaria por uma companhia se quer? Eu fiquei porque te amo, porque queria estar ao seu lado no momento em que você precisava. Naquele ano você disse que se sentiu acompanhado como nunca na vida. Fiquei tão feliz porque houve momentos em que você me fez sentir também tão acompanhada. Mas agora, quando mais preciso de você, você me deixa de maneira categórica e eu,fico, desolada. Você entenderia se agora eu não posso correr atrás e te fazer ficar,não é? Eu não tenho condições. Não é só você agora que não se sente pronto pra se relacionar.
                Você me dizia que precisava se afastar porque não queria falar sobre suas questões. Mas o que é que haveria de tão horrível nas suas questões que você  não pode falar pra mim? Ou o que você acha que eu faria com você? Você acha que alguma coisa que você me confessasse poderia me fazer te amar menos? Você acha que eu usaria alguma coisa contra você, que eu te faria mal? Que ficaria jogando as coisas na sua cara? Bem,eu joguei, algumas vezes, é verdade. Usei suas dificuldades contra você. Você nunca fez isso. Você respeitou minhas dificuldades, nunca me diminuiu pela minha dificuldade de me estabilizar com os estudos, sempre respeitou e se manteve otimista. Por que eu não poderia agir da mesma forma com você? Eu agi mal, mas eu estava tão magoada, tão feriada por você não confiar em mim tanto quanto confiei em você a ponto de me entregar completamente.
                Você omitiu pra mim que havia ficado mais uma vez com a sua ex-namorada. Pelo que você me contou dos seus relacionamentos anteriores, eu pressupus que não tinha mais acontecido nada por uma segunda vez com uma das namoradas que você teve. Mas aconteceu e você não me contou. E eu, inocente, acreditei. Não, talvez não inocência, mas por querer tanto que fosse verdade alguém com uma conduta simples e direta com relacionamentos. Eu fui inocente, não perguntei nada. Mas talvez não quisesse mesmo perguntar. Queria acreditar naquela entrega, naquela aproximação perfeita em que eu simplesmente confiava em você ao invés de fazer cálculos e suposições sobre o que quer que você dissesse. Foi a primeira vez que me envolvi sério com alguém, é verdade, então, há um quê de inocência. Mas há mais ainda de querer viver aquilo, aquela história que estávamos inventando em que as coisas eram tão simples e em que não havia paranóica, porque podíamos confiar sempre no outro em não omitir informações importantes. Anos depois você achou que eu havia omitido algo de você e me fez prometer que jamais eu omitiria de novo algo de você, porque senão, não poderíamos dar certo. Que ironia. O que mais você pode ter  omitido de mim? Será que há mais ou esse é um caso isolado, um deslize porque realmente não houve importância nessa história? E se você omitia ou mentia outras coisas, como poderia esperar que realmente viveria uma entrega real e forte o suficiente pra você ficar? (Agora me bate uma onda forte de insegurança e eu me pergunto se você não é nada do que eu penso e se no final,eu só fui enganada e eu jamais te conheci de verdade). 
                Ah, eu falo de você. E você fala de você e da sua dificuldade de se relacionar. Mas e eu? E eu pra quem tudo vira um drama, uma novela mexicana. E pra mim, quando um pequeno sinal, uma pequena instabilidade, parece que é o fim do mundo? E eu que já fui capaz de desconfiar e pensar coisas que não sou nem capaz de confessar? E eu que criava histórias mirabolantes na minha cabeça e só porque elas eram tão ruins pra mim, acreditava instantaneamente que eram verdade e passava a agir como tal? E eu que preciso de amor constante, palavras constantes e se o ritmo diminui, eu não sei entender que é coisa da vida, que as coisas vem e voltam e se transformam mas o amor fica ali,  pairando sobre tudo, se é pra ser? E  eu que não tenho paz e tranquilidade pra fazer as coisas? Que ajo de acordo com a minha ansiedade, que brigo e não deixo as coisas acontecerem?  Será que se eu não tivesse feito o pior das suas palavras e atitudes e não estivesse ultimamente tão paranoica e tão disposta a brigar, você teria voltado? Isso não para de passar na minha cabeça. Se eu tivesse te deixado você voltar a me conquistar, você teria desistido de novo de ir embora? Fui eu mesma quem tornei, com a minha ansiedade e minha obsessão por todo e qualquer sinal de rejeição, impossível que ficássemos juntos de novo? Será que se ao invés de brigar com você no dia que você curtiu e descurtiu minha foto, eu tivesse me concentrado no fato de você ter me dito que havia feito aquilo porque não resistiu aos meus cachos lindos, leves e soltos, e tivesse te deixado seguir com a conversa, as coisas poderiam ser acertar? Você teria pelo menos querido isso? Acho que sim. Acho que também é verdade que eu construí toda essa dificuldade pra que a gente viva e conviva. Com a minhas presunções, minhas ansiedades e meus medos que viram verdades absolutas, como se eu não conseguisse ter simples discernimentos entre a verdade e a minhas paranoias e não conseguisse assumir a relatividade das coisas. É, verdade, eu também ainda não estou pronta pra me relacionar. Ainda todo tempo que sou um estorvo e ainda ajo como uma menina assustada, desesperada pra que alguém me tire, imediatamente dessa posição de rejeitada, de vítima. Essa posição que eu mesma assumi.
                Também há coisas que você não sabe. No dia que você foi fazer a prova de mestrado eu só fui lá, só fui no local e fiquei lá sentada,com pretexto de ver uma amiga, porque no fundo queria ver você. Queria alguma maneira, qualquer maneira de estar ali. Queria ter te desejado boa sorte, ter dito pra você ficar bem e fazer a prova com calma, mas não consegui.
                Eu poderia dizer um milhão de coisas sobre você ter dito que ficaria com outras meninas. Queria dizer.  Mas não posso dizer sequer que te amaria menos por isso. Outro segredo, o maior e mais importante de todos é que faz muito tempo que eu descobri que te amo acima de qualquer coisa. Mesmo quando pensei que você tinha me traído, ficado com uma menina por quem você disse que não sentia a mínima atração. Mesmo então eu soube: aquela dor toda não superaria o amor que eu sentia e que ainda estava lá, independente de qualquer coisa. Eu te amava, e pronto. Talvez, se fosse verdade, eu jamais poderia ficar com você de novo. Mas te perdoaria. E continuaria te amando e querendo só o seu bem. Como é que eu poderia deixar de ter amar por você amar outra, por você querer ficar com outra pessoa? Você é livre. Como eu poderia te repreender mesmo por não me amar de volta, se eu sei que o meu próprio sentimento e o meu próprio amor só fazem sentido porque são livres, porque vivem e crescem em liberdade, independente das reprimendas alheias e das minhas próprias? O amor é livre e só assim é real. Sem contar que eu saberia. Mesmo que a gente não ficasse mais junto, que te amo, que você é uma boa pessoa. Eu saberia as partes reais de você que você dividiu comigo. Nada disso você pode negar, você pode me tirar nem, se você quisesse, porque eu estava lá, eu vi e senti. Vivemos momentos de entrega verdadeiros e eu preciso aprender a confiar nisso. Mas é difícil não desconfiar. Mas eu sei, no fundo, o instinto me diz, que você é verdadeiro ainda que não consiga ser todo. Que o que você me deu, ainda que não tenha sido uma entrega completa, foi de verdade enquanto foi. E que você é uma ótima pessoa, que merece ser feliz e eu não ia querer diferente, não ia querer ver alguém que tanto merece não ser a pessoa mais feliz do mundo e realizada nas coisas pelas quais luta. Eu te amo.                               
                Você me diz que não está pronto pra se relacionar, que não consegue se entregar, que não consegue, num momento de crise, falar sobre suas questões. Mas sim, você consegue. Toda vez que estamos em crise, você se abre, diz coisas que nunca falou. Somente quando estamos juntos, quando há uma expectativa, você não consegue falar. De longe, você fala, sem sequer perceber. Como muitas vezes nas nossas longas conversas no telefone depois do nosso último término você falou de coisas que antes se recusava a falar, de forma natural. Falou até por livre e espontânea vontade coisas que eram antes tão difíceis como sobre uma decisão sobre as suas coisas que você tomou pensando principalmente em mim ( o que demonstra um impacto que tive sobre você), depois assumiu, nomeou que chegou sim a me amar depois de tanta resistência em dizes essas palavras, depois contou todos os momentos que vivemos e que foram especiais pra você, só porque você quis, pra me fazer saber deles, porque você quis que eu soubesse.Todos esses momentos foram emocionantes pra mim e eu mal disfarcei o choro e a vontade de estar com você. Mas você só sabe estar ao meu lado assim, se estivermos separados. Só nos momentos de crise você falou coisas que pareciam vir de tão profundo de você e que falavam do seu sentimento sobre mim. Só nos momentos em que não poderíamos estar juntos, você é capaz de se declarar. Mas e eu, como posso te julgar? Só nos momentos de crise me permito ser intensa. Corro atrás, brigo, xingo, sinto, choro. Só assim, e em tudo na vida. Só nos momentos de crise me permito viver completamente as emoções que dizem respeito a você.
                E eu sinto muito pelas muitas vezes, por meses, que te fiz conversar sobre os mesmos assuntos, sendo rude, cruel e te chamando de mentiroso. Por muitos meses você aturou isso, conversou comigo, todas as vezes que eu quis, mesmo sem precisar. Ninguém precisa passar por isso. Você não precisava. Mas passou e ainda foi capaz de me oferecer gentilezas em meio a guerra particular que eu criei. Eu estou tão envergonhada por um estorvo tão grande, mas não sei como lhe pedir desculpas. Você foi tão gentil. Você me entregou segredos, coisas tão difíceis pra você falar, pra que eu me sentisse melhor enquanto eu te oferecia de volta acusações e incompreensão. Mas eu espero que você entenda que todas as vezes que nos falamos,até quando você me entregava uma nova parte de você, você ainda estava me rejeitando. Todas aquelas vezes, todas aquelas conversas para espantar o sentimento de rejeição absoluto e todas elas só reforçavam cada vez mais, esse sentimento. Mas como fiquei feliz de saber que você tomou decisões de peso pra ficar comigo, que me considerou a esse ponto. E quando você disse todos os momentos que foram especiais pra você e como eu fui importante e até fui e sou sua melhor amiga, eu quase explodi de felicidade e contentamento. Espero que você não tenha se arrependido.
                Não entendem porque eu te amo, mas sempre que você me deixa, é sua fragilidade que grita, e você corre para escondê-la. E eu não posso te odiar por me deixar se você se sente frágil e despreparado, eu te amo justamente pela sua fragilidade, foi nela que me identifiquei e foi por ela que comecei a te amar.  Me lembro d’eu voltando de viagem e você me abrançando e depois de você desabafando, inseguro,me pedindo pra falar mais com você, para me expressar mais e lembro de você chorando quando me pediu isso. Como quem me faz um pedido da alma. Como quem por alguns momentos se entregou por inteiro.
                Eu te amo e isso me mudou pra sempre. E se você não pode aceitar esse amor, eu o aceito e o abraço e reconheço que foi ele que me deu mais força do que jamais tive na vida, até para ser mais eu mesma. O amor é capaz de salvar. É preciso amar para não adoecer. Eu amei. E nenhum herança maior foi deixada sobre nós dois. 

segunda-feira, 2 de março de 2015

7 lições de 2014


2014 foi um ano de difíceis lições, que ainda estou processando. E para ajudar em sua elaboração, cabe colocá-las em palavra escrita – algo que sempre me permite organizar os pensamentos.
      
       1ª lição : A vida não é em preto e branco.

                Essa talvez tenha sido a maior e mais importante lição do ano e também a mais difícil pra mim, uma vez que eu mesma sou um pouco em preto e branco. Ela nos diz um pouco sobre a contraditoriedade das pessoas, de  suas intenções e como as circunstancialidade pesa sobre o que é e quem é alguém com que você se relaciona. É aquela velha história de que uma pessoa que te faz mal, não necessariamente é uma pessoa ruim. Assim como boas ações podem brotar naqueles que raramente fazem algo decente. Essa foi uma lição árdua de engolir.  É fácil querer condenar quem quer nos cause um dano, nos injurie – é extremamente fácil colocar essas pessoas sob o rótulo de pessoas ruins, sem sentimentos. É fácil concluir que quem te machuca, não gosta de você. (Há quem diga que é difícil, que as pessoas preferem se enganar para evitar arranhar o ego, quando se é rejeitado, ou magoado. Mais fácil contar mil mentiras para si mesmo. Criar pretextos e autojustificativas. Para mim, não). Para mim é mais difícil tentar  compreender a complexidade e o emaranhado de fatores e influências que levam uma pessoa a tomar uma decisão, ou agir de determinada maneira. As pessoas são muito mais complexas do que eu gostaria que elas fossem. Infelizmente, essa é a verdade. É difícil julgar o que alguém é, ou o que deixa de ser pelas suas atitudes para comigo, porque a mínima parcela que compartilho da vida de outro alguém é pouco dentro dos intrincados universos que formam as singularidades. Mesmo quando se conhece os motivos do outro que pesaram para que assumisse determinada postura, ainda há muitas questões que podem ficam no ar. Talvez o peso que alguém atribui a determinado fator não seja o que eu mesma atribuiria e é difícil enxergar, de onde eu estou , que é sempre o meu ponto de vista, o ponto de vista do outro. Há muitas experiências que cada um carrega em si e muitas interpretações diferentes para essas tantas experiências que se misturam, se entrecruzam e formam uma teia de racionalidades, modos de pensar e de sentir. Talvez quem lhe faz mal, não faça por querer, talvez estivesse dando o seu melhor para levar a vida e as suas relações da maneira mais correta possível. Ou talvez faça por querer, porque não entende direito para onde e como direcionar a própria dor, insegurança,ou  medo, então os extravazam nas pessoas em volta. Talvez alguém que te magoe, ao mesmo tempo te ame, mas não sabe o que fazer com isso. Talvez as suas próprias expectativas sejam surreais a ponto de não trazerem nada para sua vida além de frustração e o outro não seja assim tão responsável pelo fato de você estar magoado. Talvez seja tudo isso junto e talvez a cada uma hora seja algo diferente, sem necessariamente deixar de ser  tudo.   Sim, é complicado de entender, mas é preciso tentar. Porque tentar é mais justo do que se esconder atrás de respostas prontas. Há quem diga que tentar compreender o outro ao invés de assumir a postura defensiva do “é porque nunca se importou” (ou “é porque não presta”, ou “é porque tem má índole”) é que seria se enganar, arranjar pretextos e desculpas. Mas na verdade, é preciso coragem para compreender o outro como ele é, sem vilanizar, nem colocar em um pedestal - sem maniqueísmos. Principalmente, quando há sentimentos envolvidos. Afinal, coragem é relativa e quando se é um poço de insegurança, assumir que o outro pode ser só mais um ser humano, cheio de dúvidas, erros e acertos é difícil porque não estamos no chão seguro dos rótulos e das figuras bem definidas, de quem sempre sabemos o que esperar (essas sim são os grandes clichês dos contos de fada, figuras muito bem delineadas). Além disso, essa assumpção não traz necessariamente nenhum efeito no sentido de recuperar  um ego ferido, que muitas vezes é só o que queremos depois de uma grande decepção (Não que simplificar tudo colocando rótulos nas pessoas como “babaca”, etc, vá realmente fazer algum efeito além de ilusório para recuperar a autoestima de alguém. No fundo, intuímos quando essas conclusões de dor de cotovelo são injustas e ficamos remoendo o que quer que tenha acontecido, ainda, em busca de uma explicação mais real).
                 A vida, os sentimentos, as situações, então, não são em preto e branco. Não há contraste: uma trupe do bem, uma trupe do mal. Grifinória e Sonserina. Embora fique claro que na ficção, estamos carecas de projetar nossa vontade de que as coisas fossem tão simples como mocinhos e vilões – e tudo que vem de bom vem dos primeiros e tudo que vem de ruim e culpa dos últimos. As pessoas e as coisas não são tão simples assim. Aliás, acredito que as situações mais complicadas e difíceis são aquelas pelas quais  não temos a que culpar, onde não há o “errado”, o “mal”. E elas são muitas.
                Eu mesma não sou nenhum exemplo de constância e coerência absolutas. Tento ser justa, humana, sensível e muitas vezes isso é difícil. Não tão raramente, se eu for leal à verdade, eu já fui escrota, mesquinha, egoísta, desatenciosa e preguiçosa em relação a muitas pessoas. E muitas delas não mereciam.  Mesmo que eu entenda que para mim, as coisas são um pouco mais radicais em termos de coerência do que para muitas pessoas que eu conheço. Mas é preciso reconhecer isso, minha própria contrariedade, minha própria alternância diante da circunstância, para que eu entenda o outro.
                O algo de bom dessa lição é que podemos parar de condenar as pessoas sob os rótulos que imaginamos pra elas muitas vezes dentro dos nossos próprios sentimentos de insegurança. Alguém que cometeu um erro terá que ser pra sempre errado, culpado e criminoso, marcado por um jugo imutável e eterno, como se o mal fosse sua essência? (Isso inclusive, traz a tona questão da vida após o cumprimento de uma pena judicial) Não que não existam babacas, pessoas ruins, ou que frequentemente levam a vida de maneira mesquinha, amargurada, etc. Mas existem principalmente atitudes ruins, atitudes equivocadas, atitudes mesquinhas. E uma cadeia desse tipo de atitude, pode se romper. Ou seja, as pessoas podem mudar. Elas não precisam ser sempre os erros que cometeram para com você. E essa liberdade se estende também para aquele que compreende isso e entende por fim que também pode cometer erros e não necessariamente, será definido por eles.

      2ª lição: Temos que nos proteger também de quem amamos
   
           Como consequência da primeira lição, temos: todos – até mesmo aquele serzinho mais adorado por você na face da terra –são  capazes de ser “vilões”, ou “mocinhos” na vida de alguém, dependendo das circunstâncias. E às vezes são até as duas coisas ao mesmo tempo, para observadores distintos. Então, é preciso se proteger em toda e qualquer relação. Eu tenho uma tendência para me entregar às minhas relações de forma absoluta, o que traz suas consequências boas e ruins, como tudo na vida. Também tendo a me esforçar bastante pelas minhas relações e uma vez que confio em alguém, fico um pouco cega para todo e qualquer mal que a pessoa possa me causar, ainda que sem querer (isso pode demonstrar um pouco da minha inocência, mas não deixa de ser uma forma de eu desumanizar o outro, enquanto o transformo no meu objeto de amor). Nunca espero nada de ruim vindo de alguém que consquistou meu afeto e minha confiança e quando uma atitude mentirosa, ou de afastamento, de rejeição, de grosseria, de desrespeito, ou de invasão vem na minha direção, é um duro golpe. Mas venho aprendendo, aos poucos como me proteger e sem, é claro, destruir a imagem daqueles que amo (eles são, por serem tão importantes, os mais vulneráveis a se tornarem na história que eu conto na minha cabeça pra dar sentido à minha existência,  os grandes vilões da minha vida).  É preciso primeiro tratar das próprias questões para não achar que qualquer relação pode definir o que você é , para aprender que algumas coisas ruins, incômodos, afastamentos, também fazem parte de uma relação e que elas existirem pode ser até bom, se eu deixar elas existirem sem me martirizar por elas, nem deixar elas dizerem o que sou eu ou o que ou outro é (faz parte, somos humanos, erramos e mesmo sem errar, a vida cria ela mesma, muitas situações difíceis) ; depois, é preciso entender que o outro também tem as próprias questões dele, com as quais ele também tem que lidar e pode estar em um momento em que não está lidando tão bem, ou pode projetar em você essas questões, se tornar invasivo, querer se afirmar a partir de você, ou negando você, pode ter medo de você, medo de ser ele mesmo rejeitado, e tudo isso, pode causar danos, se você entra na onda.Pode inclusive, fazer pior, enganando, mentindo, traindo. É preciso compreender, mas não aceitar. As questões que as pessoas carregam são só delas e não tem porque você mesmo embarcar no drama, ainda mais sabendo o quanto isso pode te magoar. E você também, precisa rejeitar, negar, se afastar daquilo que te faz mal. Ainda que a pessoa não consiga enxergar que te faz mal por uma questão que pertence somente a ela e não a você. Ainda que ela  não veja que te faz mal. Ou ainda que ela precise de ajuda. Há que se colocar um limite. Até se você resolver tentar ajudar.

     3ª lição: Nem todos querem o que eu quero
   
           Quando você faz análise, ou qualquer tipo de trabalho para construir um autoconhecimento, você compreende a força da sua insegurança e do seu medo na formação das suas piores características. A minha tendência, depois disso, foi assumir que assim como eu, no fundo, todo mundo só quer amar e ser amado, ainda que se opte por diferentes formas de se sentir isso, por diferentes artifícios para se chegar a esse sentimento e mesmo quando se tomam caminhos controversos como o vício na sensação de poder e de influência. No meu entendimento, mesmo aquelas pessoas que, em nome de granjear algum poder (confundido com amor), são desonestas, prejudicam ou diminuem outras pessoas – mesmo elas, no fundo só queriam ser amadas e amar, que no final, não é nada de injusto de se desejar. Mas, eu estava errada. Ainda acredito que no fundo, é a vontade de ser amado que nos move a todos nós e  até certo ponto, tem que nos mover, para conseguirmos criar laços, empatia pelo outro (mas é bom frisar o até certo ponto, porque o vício em ser amado também é perigosíssimo e nos faz abrir mão dos nossos próprios desejos em virtude de ser desejado, vivendo assim, em função do desejo do outro), mas isso não significa que de fato, o que queremos, é amar e ser amado.
                Querer amar e se amado e viver isso de maneira saudável, sentindo de forma real o prazer de ser desejado, querido, do afeto e ao mesmo tempo aprender a ser um sujeito ativo, que acima da vontade de ser amado e independente dela, ama, deseja, e, portanto, vive - tudo isso exige um postura ativa. Não basta querer de uma forma enviesada, mal reconhecida, mal declarada e nunca nomeada. Reconhecer que você precisa ser amado e amar, é abrir o peito e viver um monte de fraquezas, de dificuldades e se entregar, mesmo assim. Há quem, ainda que queira sim, no fundo, e simplesmente, ser amado, não esteja disposto a pagar o preço. Esses preferem caminhos mais rápidos para sentir que são importantes e queridos: preferem buscar poder e aprovação daqueles nos quais eles veem poder. Ou aprovação geral, social.  E aí trabalham e desejam principalmente esse poder, principalmente essa aprovação e reproduzem isso em todas as esferas de suas vidas, até na familiar. Aí não dá pra dizer que querem amar e ser amados. Querer precisa de conscientização, de tempo e pensamento investidos naquilo que se quer  e principalmente, de ação, para alcançar o que se quer. Se não há isso, não há querer de verdade, só um querer disfarçado que mais parece que não queria ser querido.
               
            4º lição: Amor não é o suficiente

                Se as pessoas são capazes de magoar as outras sem querer,  se são humanos que simplesmente cometem erros, mas não são maus por isso, se querer (inclusive querer estar com alguém) sem atitude concreta não é o suficiente e, se mesmo que nenhum erro seja cometido, a vida ainda assim pode encaminhar as coisas para que elas deem errado; claro que amor não é o suficiente para manter nenhuma relação. É preciso ter um certo cuidado, com você e com o outro, para que suas questões egoísticas não extrapolem no outro e vice-versa .É preciso ter cuidado também pra cultivar (e cultivar é a melhor palavra pra algo tão vivo quanto uma relação) vontades, desejos de estar com outro, bons momentos, carinhos e cuidados, é preciso ter paciência e é preciso esforço de ambos os lados em cada relação que se estabelece. É preciso outras coisas que ainda estou entendendo.

           5º lição: Nosso amor é para nós mesmos
         
                  Se amor verdadeiro não é o suficiente para estar com alguém, o amor verdadeiro, não correspondido, ou mal vivido, é em vão?
                Muito me incomoda uma sensação de sentimento desperdiçado. É tão difícil estabelecer ligações reais com as pessoas que é um grande pesar romper uma relação, só pelo ato do rompimento. Mas eu me sentir assim significa que para mim, por muito tempo, o amor era  sinônimo de obrigação de algo acontecer, de dar certo. Já que é tão difícil o amor acontecer, se há amor, tem que dar certo, não? Era como se amor fosse a solução para viver feliz. Para viver com alguém e viver em harmonia. Mas na verdade, eu descobri que amor  é muito mais uma empreitada solitária e serve mais e primeiramente, àquele que ama.
                Ser sujeito ativo no ato de amar, quando se é verdadeiramente, traz um monte de benefícios muito pessoais. Amando, somos capazes de superar nossas motivações egoísticas, nossa eterna luta interna projetada pra fora em busca de algum sentimento de potência. Amar dá paz e liberta, na medida que, quando pelo outro podemos superar nossos medos e nossas inseguranças, percebemos que podemos. Percebemos que o que nos parecia ser o que havia de pior no mundo, é superável.  E você mesmo, em muitos momentos, supera-os, só porque você quer. Isso traz uma sensação de liberdade inominável.


                 6º lição: Amar não é ter que estar sempre presente e disponível
           
              Eu tendo a confundir amor com estar sempre presente e disponível porque eu estou sempre presente e disponível quando amo. Na realidade, estar sempre presente e disponível é muito natural às vezes, mas outras vezes é um grande esforço e é cansativo. Mas esse ano eu entendi que amar não é ter que estar sempre presente e disponível. E qualquer um que tente me convencer do contrário está tentando usar minha presença para tampar  buracos pelos quais não sou responsável. Mas amar também não é estar sempre ausente, indisponível e inalcançável. Não é preciso achar que por não ter necessidade de se estar sempre presente, não vá se querer e até se tentar estar, quando isso  for possível.  
                Só que, é preciso respeitar nossos limites e nossas vontades. Não adianta tentar estar presente quando se sente mal e desconfortável em relação ao outro, por exemplo. Há de se buscar um equilíbrio entre estar presente, ou não, dentro das nossas possibilidades, não por nenhum motivo fútil como tentar controlar o outro, ou fazer alguma espécie de joguinho de poder, para que te procurem, mas sim porque estar presente e disponível tem que ver de uma vontade grande, ou de um sentimento de dever justo (sim, porque essa história de que só vontade é que move no amor, sempre, é uma idealização dos diabos), mas nunca deve nos castrar, e nunca deve estar motivado, principalmente, pelo medo de não estar presente. Quando você está presente só porque tem medo do que pode acontecer na sua ausência, isso é infelicidade, bicho. É falta de confiança, de autoconfiança e desconforto. Não há amor e relação que resista a isso.

            7ª lição: Alguns nãos  e algumas rejeições são necessárias
       
        Rejeitar algum comportamento que venha do ser amado não é sempre uma coisa ruim. Há comportamentos e demandas que não podem ser aceitas. Não são justas e partem do sintoma do outro e alimentá-las só pode trazer problemas e aumentar a vivência desses sintomas. É preciso ter em mente que não é por mal muitas vezes que se faz isso. É difícil também saber com certeza se é o sintoma que está falando no outro. Mas é fácil aprender aos poucos, com a convivência, as repetições doentias que nas quais incorrem aqueles que amamos e das quais não precisamos participar.
                Eu sempre tive verdadeiro horror de qualquer tipo de rejeição aberta. Mas sim, algumas rejeições são necessárias, o que não faz elas menos difíceis. É duro, mas é verdade. Os comportamentos absurdos e paranóicos dos nossos entes queridos , quando se tornam invasivos e agressivos tem que ser rejeitados, cortados e negados. É uma forma que temos de cuidar de nós e deles mesmos. E rejeitar um comportamento de forma alguma significa rejeitas a pessoa, ou o que ela é. Amamo-as mesmo com aquele comportamentos que estamos afastando. É capaz que a gente compreenda , entenda, até se identifique com o comportamento destrutivo do outro, que o ame justamente assim. Mas não é possível viver com ele, conviver assim. Há uma distância entre uma coisa e outra(entre amar e pode conviver e viver com)  e é importante percebê-la para viver uma vida saudável.


         O que eu quero para 2015:

                Faz muito tempo que ando triste e ressabiada pelos cantos. Desconfiada das pessoas e das coisas, faz tempo que  não me sinto feliz e só, sem nenhuma ansiedade. Faz tempo que não rio com muita vontade e que me sinto bem humorada. Então, em 2015, espero recuperar meu bom humor e minha boa vontade com as pessoas e com as situações que a vida me arranjar. Espero rir mais, me reconcetar comigo mesma, com as minhas raízes e meus desejos mais genuínos e profundos. Espero que as coisas fiquem mais leves e menos dramáticas pra mim também e sei o papel grande que tenho para fazer isso acontecer. Mas não por isso, virei a niglicenciar meus sentimentos. Minha amargura e minha obsessão com o sentimento de rejeição não deixou espaço para eu viver meus afetos plenamente. Eu sinto que tenho sido uma má amiga,uma má filha. E esse não é um sentimento que quero continuar carregando comigo. Por último, mas não menos importante, espero recuperar algum mínimo de disciplina e criar uma rotina que me deixe confortável comigo mesma, em relação aos meus desesjos e às minhas obrigações.


segunda-feira, 10 de novembro de 2014

O que eu queria arrancar do meu peito.

                          Eu me lembro de uma vontade, uma urgência quase física de estar juntos. Ela aparecia nos repetidos beijos e abraços de despedida. E depois nos beijos entre as grades do portão já fechado. Você de um lado, já precisado de ir embora e eu do outro, precisada de que você ficasse pra sempre. O que aconteceu com tudo isso? Hoje em dia está muito claro que você não sente nem um pouco minha falta, depois que se decidiu, pragmaticamente, que não sentiria mais nada. Nada nas suas atitudes demonstra que você sente a mínima palha de uma leve falta minha, ou arrependimento pelas suas atitudes. Mas você sente falta de muita gente. Anda por aí distribuindo “sinto saudades” como se fosse “bom dia”. Você nunca dizia que sentia saudades minhas. Nem nos bons tempos. Será que em algum momento do seu dia, você para e pensa em mim? Alguma vez você se perguntou o que eu estava fazendo enquanto estávamos longe um do outro, ou o que eu pensava sobre você? Será que você se pergunta se estou bem, ou mal, feliz, ou triste, ou se me sinto sozinha? Será que você imaginou o que é que achei daquele filme que tanto queríamos ver e que nunca conseguimos? Absolutamente nada nas suas atitudes demonstra alguma preocupação comigo, ou com o que eu sou, ou como estou.  Na verdade, você parece é muito feliz, muito aliviado, em ter se livrado de mim. E sai por aí em rede aberta, declarando que seus trinta anos são o início de um novo ciclo? Novo ciclo longe de mim? Eu fui, então, tão prejudicial a você?
                          Eu me lembro da sensação de otimismo e alívio me abraçando quando eu te conheci e nos aproximávamos aos poucos. Então existiam pessoas como você! Que maravilha, o mundo! E o melhor: alguém como você podia gostar de mim! Eu me lembro de todas as palavras que você me dizia pra consolar minha tristeza por ter encontrado no meu caminho, pessoas frias, que me tratavam como alguém dispensável. Você dizia que elas não valiam a pena. E me contava como você entendia como eu me sentia rejeitada. Eu nos achei tão parecidos, de primeira olhar, nos detalhes grandes e nos pequenos. Os detalhes grandes eram as experiências que tivemos que nos fizeram viver o mesmo sentido de abandono e de incapacidade. Alguma vez você imaginou que me causaria o mesmo tipo de sentimento de abandono e insuficiência que essas pessoas te infligiram? E que teria a mesma postura fria, despreocupada com os meus sentimentos? Será que suas críticas a essas pessoas frias serviam apenas pro caso de você sentir que alguém agiu dessa maneira com você, embora você pense que você mesmo, por sua vez, pode agir dessa maneira com quem bem entender?
                          Eu me lembro das questões existenciais que você colocou pra mim e que me aproximaram de você, porque também eram minhas. Como eu poderia imagina que você usaria suas experiências ruins e as suas próprias questões para fazer o que bem entendesse, sem se preocupar com o sentimento dos outros? Como se você estivesse justificado em fazer tudo que queria, sem jamais olhar para o outro, por tudo que já havia sofrido. Você usa sua própria dor, que é real, convenientemente, de maneira fria e calculista para fazer o que quiser. Ou talvez tenha se deslumbrado com a ideia de que nossos sentimentos são nossas responsabilidades e de mais ninguém, para agir pensando que a dor e o sentimento de humilhação que você provoca nas pessoas com atitudes danosas reais – nada disso é sua responsabilidade. É apenas criação da cabeça alheia com a qual você não tem que lidar. Ou não é isso que você quer dizer quando me diz que eu pense o que quiser sobre você?
                          Eu me lembro também de todas as coisas bonitas que você já me disse. E a forma como você parecia interessado em participar da minha vida, dos meus assuntos. A forma como você demonstrava ciúmes de mim e como fazia plano pra nós como se me quisesse na sua vida a longo prazo. Tudo isso é vazio, agora. Você disse coisas sérias demais para que suas atitudes destoantes não denunciassem a sua falta com a verdade. Ou a sua incoerência. Uma hora você me dizia que o que explicava a nossa lamentável situação era que você nunca havia gostado o suficiente de mim para querer assumir um compromisso e nos levar a sério, no instante seguinte, me dizia que tudo que você sentia por mim era suficiente sim  e verdadeiro e que você queria ter um relacionamento de verdade comigo. E no que eu posso acreditar?                           O que mais você me dizia que não era verdade? É verdade mesmo que foi comigo a primeira vez que você pode experimentar sexo e sentimento juntos, ou você já houveram outras que escutaram a mesma coisa? É verdade também que pela primeira vez comigo você se permitiu demonstrar ciúmes? E para a próxima você dirá que não demos certo porque você nunca gostou de mim, como você me dizia, sempre tão lacônico, sobre suas ex-namoradas?
                          Me pergunto se realmente você  acredita que toda a sua dificuldade pra se entregar e acreditar que alguém goste de você pelo que você é responsabilidade sua, ou se você ainda culpa outros pela suas questões. Às vezes me parece que sim, porque senão, que outra explicação teria para alguém, que já tem consciência há tanto tempo da própria condição, escolher a mesma postura danosa? E como entender, se você realmente sente isso, fundo em você,  que diante dos meus apontamentos para as suas repetições, você diga que já sabe de tudo aquilo, mas que não mudará suas escolhas simplesmente porque não quer, porque não está a fim? Como se fosse você não soubesse que TEM – e sim, isso é um dever – fazer diferente daquilo. Como se fosse uma criança mimada. Ou será que no fundo, você ainda pensa que, em relação a mim, você se sentir como se sente é culpa da minha pouca expressividade? Chegou então à conclusão de que, depois de ter bem utilizado da minha presença para não se sentir sozinho por anos, de que sou insuficiente? Ou será que você vai justificar sua incapacidade de se entregar nas constantes críticas que eu faço ao seu comportamento? Será que você vai dizer, pra se justificar permanecer nesse mesmo lugar confortável, que tantas críticas mordazes provam que eu não gosto de você como você é? Será que você ainda confunde gostar e amar com uma postura de devoção acrítica perante o outro e que só servia pra você viver toda essa sua vontade de ser amado acima de todas as coisas?  E se você pensa assim, como eu devo encarar todas as milhares de críticas – inclusive que desvalorizavam em mim características que você valorizava em outras pessoas, como meu amor e zelo pelos animais – que você me fazia constantemente? Como mais uma prova da sua falta de sentimento por mim?
                          Houveram muitas provas da sua falta de sentimento por mim. Seus caprichos, a forma como você me dizia que eu tinha que ser “assim, ou assado” e agir de determinada maneira porque você precisava e se não fosse desse jeito, não seria de outro. Você não tinha nenhum medo de me perder. Lembro de te ouvir confessando que curtia fotos no facebook de meninas que você sabia que eu tinha ciúmes pra me provocar. E quando confessou que uma vez que fez isso foi também pra dar um jeito de me afastar, sem ter que falar nada comigo sobre querer que eu me distanciasse. E lembro de você confessando que me dava gelos sistemáticos de propósito, porque assim você poderia controlar a nossa relação de forma a impor o ritmo que você precisasse que as coisas tivessem (como se relação fosse isso). Eu fui compreensiva com você, achando que todas essas questões eram questões reais, consequentes de inúmeras situações ruins você havia vivido. E, sabendo eu como era difícil se relacionar quando você acumula certas marcas e cheia de dificuldades próprias, tentei entender. O que custava? Custava tudo. Agora eu vejo como tudo isso era desrespeitoso. Você sequer me respeitava. Queria uma relação desigual em que você vivia todos os seus caprichos e tinha atitudes como ataques de ciúmes injustificáveis ( que não tinham nada a ver com querer a minha exclusividade, mas com seu orgulho de se sentir a maior influência romântica na minha vida) e os quais você jamais toleraria se partissem da minha parte. Se você realmente gostasse de mim, você jamais teria sequer conseguido me tratar dessa maneira, me dar gelos sistemáticos, me manipular. Você teria medo de me perder com esse tipo de atitude. Incrível como você sentia medo d’eu te achar idiota e querer de abandonar por conta de sua opinião sobre um filme,mas não tinha medo de me perder quando se tratava de fazer esse tipo de babaquisse. Eu cansei, definitivamente, de ser a pessoa compreensiva entre nós dois. Toda importância que você diz dar à afetividade e todo potencial de cura que a psicanálise te ensinou que o afeto tem: você realmente quer isso? Você quer viver isso por completo? Você realmente quer viver as consequências de transformas a opinião e os sentimentos de um outro alguém em algo tão precioso que você jamais conseguiria ser frio a ponto de dar gelos ocasionais pra ritmar à sua maneira a relação? Você quer se importar e cuidar de alguém de verdade, ou você só quer muito ser amado, sem se arriscar a se entregar também? Eu me lembro de você me dizendo que queria que eu cuidasse de você, que precisava se sentir cuidado.  Mas você não viu todas as vezes que passei por cima dos meus sentimentos e do meu orgulho para estar com você, em momentos em que eu sabia que você precisava de alguém ao seu lado, embora você nunca fosse pedir pra alguém estar lá? Quando é que você fez algo similar por mim? Nunca. Agora, aliás, momento em que eu mais precisava de você ao meu lado, você me largou pra lá, mais uma vez, sem nem vacilar. E se demonstra, ainda por cima, muito certo e muito feliz com as escolhas que fez. Será que algum dia você quis o outro lado de se sentir cuidado? Ou você só queria o prazer e o poder de sentir alguém se preocupando com você? Será que você já quis de verdade cuidar de alguém, estar disponível, se preocupar, mesmo quando é difícil? Ou você só queria isso pela sua urgente e enorme vontade de se sentir amado?
                          Você me deu muitos sinais de que não gostava de mim de verdade, mas eu estava tão encantada com seu discurso sobre a vontade de viver uma experiência real e sincera com alguém – queria tanto acreditar que aquilo era verdade – que não vi o que realmente acontecia. Não vi que você me escondia dos seus amigos, da sua família. Não vi a distância segura que você sempre fazia questão de manter. Nada disso. E sim, as curtidas em milhares de fotos de outras meninas, algumas das quais eu tinha muito ciúmes, diariamente era sim sinal da sua indisponibilidade. E talvez mais por isso me magoasse tanto. Curtir fotos da sua ex-namorada que você me dizia que não tinha mais a mínima importância pra você, também foi outro sinal. E essa situação nunca realmente foi explicada, ainda que você ache que repetir sempre as mesmas coisas diante de questionamentos diversos expliquem alguma coisa. E agora ainda aparecem sinais retardados da sua falta de consideração pelos meus sentimentos. Você prometeu, depois de muita dor, que não curtiria foto de ninguém no facebook por dois meses, pra me provar a irrelevância que essa ação tem na sua vida. Eu te disse que não queria isso, sinceramente, porque essa não era a questão e sim a sua total indisponibilidade pra mim. Você disse que mesmo assim sustentaria a promessa e encheu a boca pra dizer semanas depois : “olha, como estou cumprindo o que eu disse.”. Você não cumpriu o que você disse. Acredito que relativizou a promessa, não é? Como relativizou sempre tudo sobre mim. Relativizou a sua suposta vontade de ficar comigo, relativizou os muitos planos que você fazia sobre nós, muito mais do que eu jamais fiz. Agora você também desfila por aí em rede pública demonstrando grande felicidade, como se tivesse se livrado de um grande peso que eu fui. Sou mesmo apenas esse dever tão pesado? Pra completar, você trata mulheres , inclusive muitas que você sabe que eu tenho ciúmes, do jeito que me tratava. É “a senhorita quem manda” pra cá. “Beijocas” pra lá. E nenhum respeito à  memória do que vivemos – que aliás, você diz ter sido a sua mais intensa experiência de relação com outra pessoa.
                          Na verdade, eu sou um grande tanto faz pra você. Você não se importa com o que vai acontecer comigo, ou com a minha memória, ou com qualquer coisa que eu esteja sentindo. Por que você se importaria agora que não vai mais voltar? Agora que você não se sente mais sozinho e se sente aceito e querido por um grupo de amigos, você não precisa mais  desta muleta que eu fui, te carregando nos seus tempos de solidão. A pouca companhia que eles te fazem foi o suficiente pra suplantar a minha presença e você prefere essas amizades à companhia diferente que eu poderia te oferecer. Eu me tornei dispensável. E pra quê também você voltaria se você pode ser outra pessoa completamente diferente – do que você foi comigo, do que você é – com outras pessoas?  Por que voltar e insistir em alguém que já tem o olhar que incide sobre você carregado de vícios? É por isso que é fácil dizer agora que não vai mais me procurar. Pra quê você procuraria depois de todo o estrago que você fez? Eu posso ser agora só aquela história embaraçosa da qual você vai lembrar de vez em quanto, enquanto um nó de vergonha se aperta no seu peito.

                               Meu erro foi acreditar no seu discurso perfeito, na sua eloquência  que coloca o afeto entre as coisas mais importantes da vida. Eu quis acreditar que por eu ser exatamente como você me dizia ser, você seria assim também. Eu quis acreditar que você queria viver de verdade uma relação verdadeira e recíproca. Como eu tanto quis. Mas e se todo esse seu palavreado tão bem articulado não significasse na verdade, nada? E se tudo proviesse de uma vontade grande de ser amado, de tomar tudo e não dar nada em troca? E se tudo não passasse de uma armadilha pra convencer alguém a te amar muito, enquanto não havia nenhuma contrapartida? Talvez seja tudo isso e você nem perceba. Mas fica pra mim a lição: observe as ações, não as palavras. Quem quer estar junto, dá um jeito, mesmo com todos os problemas do mundo (e todo mundo tem problemas, eu também), isso pessoas especiais já me mostraram. E fica a tristeza de que, embora eu tenha aprendido tanta coisa, talvez você tenha aprendido pouco com tudo que vivemos. Não é prepotência achar isso, mas vê: é que você entendeu tudo errado, pelo que me conta. Você acha que, depois de toda essa dor que me causou e de se sentir envergonhado, o que tem que fazer é se curar pra conseguir então finalmente viver com alguém a entrega que não viveu comigo. Você entendeu tudo errado. É só com a entrega que se encontra a cura.