sexta-feira, 15 de agosto de 2014

9 músicas que marcaram a minha vida.

6 – Postcards from Italy -  Beirut.
                Há muito tempo quero falar dessa música. Por isso ela vem separada das outras. Ela e o clipe dela são uma aula de historicidade. É uma linda música, muito delicada, que acredito que nos dá o sentido de uma sensibilidade de um tempo diferente, o que às vezes é difícil de alcançar estudando através de documentos duros e com um método rígido, mas de forma alguma torna-se visível dessa maneira tão poética. Todo o clipe da música é a reprodução de cenas antigas, que dá pra estimar que reproduzam os anos 50, 60 e 70. A canção em si, sua melodia, é quase que nostalgia encarnada. E a letra diz: Os nossos tempos, quando o vento viria com vento e neve. Não foram tão ruins. Colocávamos nossos pés onde eles tinham que ir. Nunca ir. Só esses primeiros versos já são de tirar o fôlego. É muito difícil, uma vez engajado com os justos movimentos sociais e as causas de nossos tempos, compreender o tempo dos nossos avós, dos nossos pais. Certas questões, certas discordâncias, cismas, ou até preconceitos que pertencem aos nossos antepassados, mas que viemos ao mundo para desconstruir, podem nos fazer enxergá-los cheios de vícios de nossos tempos e tornar difícil o entendimentos de seus motivos, daquilo que eram, da sua própria sensibilidade específica que é outra que não a nossa. Por exemplo, se hoje em dia estamos prontos para romper com a pressão social para que abracemos papéis prontos em nossas vidas (pressão às vezes que, afinal, vem dos nossos próprios pais e avós e que criam conflitos de geração vários), é bom perceber que em outros tempos, isso era visto como dever, honra. Se hoje não podemos entender muito bem porque ficar preso à um casamento ,a um trabalho que não necessariamente te faz feliz, a música nos alerta para a existência de outros tempos em que viver os papéis para que nós éramos destinados, era sinal de honra, abraçá-los e nunca abandoná-los era o certo a se fazer. Era afinal, um mundo de tradições. De lugares pré-estabelecidos, perenes. Mundo que construiu muitas restrições, mas também seguranças. Lindíssima canção, que só nesses versos, só nesse entendimento, deu conta de falar de história, falar de historicização e falar das diferenças entre tradição de modernidade.  Assuntos que afinal, são tão importantes pra mim. De um modo também, essa canção me faz entender, minha família. Meus avós e meus pais que até certo ponto ainda eram mais comprometidos com esse mundo de tradições.
 Na segunda estrofe da música, fala-se também de como o tempo é relativo. Nessa parte, refere-se à  uma época em que o tempo acontecia de forma diferente, em que a vida era mais lenta e os processos mais orgânicos, até o despedaçar de uma alma: A alma despedaçada Seguindo próxima mas quase duas vezes mais lenta .Nos meus bons tempos. Sempre havia pedras de ouro para arremessar. Naqueles que admitiam a derrota tarde demais. Aqueles eram nossos tempos”. Ao mesmo tempo parece se ressentir de um passado como um momento em que havia tanta cobrança, tantas pedras a se jogarem - mas pedras de ouro, de sabedoria, cobranças que não eram vazias. Alguma coisa de idealização que sempre é fácil também de encontrar nos nostálgicos do passado se vê aqui: onde os tempos pesados em que reputação e a cobrança por certos comportamentos – até essas coisas ruins e que causam dor parecem melhores do que os dias atuais. E quem pode dizer se não eram se a pressão social, o julgamento, as questões de reputação, ao mesmo tempo que podiam levar à ruína de alguém, a repressão dos desejos sinceros das pessoas, , eram também o caminho pelo qual se podia entender e sentir o afeto das pessoas com quem se convivia? E nostalgia do passado não deixa de ter a ver com esse mundo tradicional.  
Sobre a última parte, que sempre  é a que mais me emociona, ela diz: E eu amarei ver esse dia. Esse dia é meu. Quando ela vai casar comigo lá fora com os salgueiros. E tocar as músicas que fizemos. Elas me fizeram assim. E eu amaria ver esse dia. O dia dela era meu. Essa parte da música fala um pouco sobre relacionamentos mais orgânicos, muito menos fugazes e superficiais do que aqueles que parecem regra hoje em dia e que foram supostamente mais comuns em tempos mais antigos. Claro que isso também pode ser visto como uma idealização do passado. Precisar esse tipo de coisa, é muito difícil.  Mas o próprio peso dos compromissos e papéis assumidos, que tanto reprimia as pessoas, acredito que fundava um terreno fértil para relações que precisavam de maior concretude. Ou não. Não há exatamente, como saber. Mas, em que pese a idealização, o desejo por uma relação real, consistente e concreta, mesmo que ele venha construído numa projeção irreal sobre o passado, ainda é válido. Além disso, acredito que para os mais velhos, essa é uma idealização comum do que já passou: sobre como as pessoas tinham relações mais sinceras, laços mais firmes.(Por ser tão comum, quem sabe nem seja tanta idealização assim). Diziam que eram relações reais, naturais, que se construíam aos poucos. Nada a ver com os amores de fugazes de facebook de hoje em dia. Eram relações para se construir algo, não pra mostrar nas fotos. E fazer ‘’músicas”, indicam para esse tipo de coisa. Essa expressão aparece aqui no sentido figurado para mostrar como um relacionamento pode ser, através de uma entrega verdadeira, a construção de algo novo, de uma nova vida, de uma felicidade menos solitária. Uma música que vá embalar sua vida, ditar o ritmo. Estar numa relação séria, real, é sempre propício para quem quer se comprometer com a própria vida e dar a entonação, o tom da sua própria vida, como se fosse mesmo, uma canção só sua. Porque quando estamos perto do outro e entregues, fica mais fácil de vermos o que somos e o tempo todo, somos chamados a encarar a nós mesmos a nos avaliar, nos medir, chamados aos nossos medos e às nossas questões. É assim que a canção que construímos com alguém, nos constrói também. Mas não se constrói algo com alguém sem compromisso, sem verdade, sem se abandonar no outro um pouco e sem se permitir se transformar pela aproximação de uma outra alma. É preciso entender esse tipo de desejo, de sentimento para compreender a sensibilidade do passado e ver um outro lado, que não é preconceito, nem repressão, mas sentimentos profundos, orgânicos. E acreditar que tantas existências viveram o lado feliz do mundo provocado por essa sensibilidade, ou não haveria razão para que ela sequer tivesse existido. Assim podemos compreender melhor nossos antepassados, nosso passado e nos compreender um pouco melhor também.

obs: Um dos trechos mais bonitos de música que já ouvi é a continuação desses últimos versos, em que o eu-lírico deseja ver o dia em que casará com sua amada. Muito bonito quando você quer tanto viver um futuro com a pessoa que gosta da idéia de vislumbrar o dia seu casamento. Mais bonito ainda a continuação quando o eu-lírico, já casado, deseja rever o dia do casamento. Porque nesse segundo momento, o dia já passara e o dia dela, do casamento dela, já fora o dia dele também. Lindíssima canção sobre um amor que fica pra vida toda. 

9 músicas que marcaram minha vida.

9 músicas que marcaram minha vida.

1 –  Vienna – Billy Joel.  Essa música me acompanhou nas minhas primeiras frustrações um pouco mais adultas. Ganhei ela de presente de um amigo. Pra quem é jovem e ansioso, nada como uma canção pra te lembrar de como viver suas ambições e da paciência que é necessária para construirmos nossos caminhos e esperarmos os resultados que queremos obter na vida e pra tudo na vida. O grande segredo da música está em entender o sentido da cidade de Viena figurando por ali. Billy Joel contou a história da música num artigo que escreveu para uma revista, uma vez. Sua idéia para a música surgiu quando esteve em Viena, visitando seu pai, e teve uma epifania diante de uma senhora, já muito idosa, que varia as ruas, com todo o afinco e bom humor. Ele foi sugerir que alguém impedisse que ela fizesse aquilo, porque já era muito idosa e a pessoa lhe respondeu que ainda que a senhora não tivesse mais tanta saúde, a pior coisa que lhe fariam seria lhe tirar a sensação de estar sendo útil para si mesma e para sua comunidade. Entendeu que com toda a idade que tinha, ela não tinha razão para sentir pena de si mesma. Ela estava lá, dentro de seus limites, fazendo aquilo que achava que devia fazer por si e pelas pessoas em volta. E isso que importa, no final das contas, em cada atividade que fazemos, independente do que seja. Também se deu conta de que temos simplesmente o resto das nossas vidas, para sermos assim e isso sempre se renovará em todos os nossos desafios que se colocam para nós: a vontade de nosso fazer nosso melhor, dentro dos nossos limites, e a satisfação de conseguirmos.  Podemos ser assim em qualquer coisa que desejarmos, em qualquer momento das nossas vidas, ainda que quando jovens, a ansiedade de sermos logo tudo que queremos ser, nos faça perder isso de perspectiva. Sempre bom lembrar, pra não se tomar cedo demais por fracassado ou perdedor, a vida continua. Temos simplesmente o resto das nossas vidas, repleta de desafios para encararmos. Cada desafio é uma oportunidade. E quando conseguimos aquilo que mais queremos na vida, ainda haverá mais novas situações das quais teremos que dar conta. Uma vitória não significa tudo. Ao mesmo tempo, temos o resto de nossas vidas para fazermos as coisas certas, consertarmos nossos erros. Tudo. É melhor ir com calma, então, antes que nossa própria ambição nos destrua. Porque ambição é para mover para a vida, não para escapar dela. “When will you realize, Vienna  waits for you?”

2 – For once in my life – Stevie Wonder. Essa música tem inúmeras  versões. Foi popularizada principalmente na voz de Stevie Wonder. A versão que prefiro é a da Gladys Knight and The pips, apesar de Stevie Wonder ser um cantor tão presente em minha vida. Todas as versões são boas, na verdade, mas a da Gladys tem um arranjo especial, parece que a própria melodia denota o sentido da música e a própria voz da cantora, que vai de um tom meio grave, meio baixo, para um canto aberto e emocionante – tudo isso nessa versão parece indicar o próprio encontro que a música descreve. Um encontro amoroso que nos completa, depois de tantos sofrimentos, de tanta procura e frustração. Ao mesmo tempo a letra da música me lembra um sentimento para o qual atento sempre: a força que nós de repente conquistamos e tiramos, não sei de onde, uma vez que amamos e nos sentimos amados.  Esse sentimento eu senti poucas vezes na vida, mas me impressionou muito e me movimentou sempre em busca de relações fortes e verdadeiras. Me lembra também uma linda citação de Freud: “Como fica forte uma pessoa quando está segura de ser amada!” E é justamente esse sentimento – que tanto me impressiona e que tanto busco – que vejo na música. É isso que a música passa, sem dizer diretamente. Canta as pequenas felicidades seguidas da certeza de se ser amado.  E esse é um lindo sentimento, que nos faz explorar e perceber plenamente nossas potências e acreditar que você podemos ser fortes o suficiente para fazer o que quisermos fazer e sermos o que quisermos ser. Lindíssima canção, herança da minha mãe.
               
3 – The greatest love of all – George Benson.  Mais uma herança dos meus pais. Dessa vez, dos dois. Essa é uma das mais belas canções de todos os tempos e nos conta um pouquinho sobre o que é a vida. Whitney Houston tem uma famosa versão, que fica linda naquele vozeirão, mas nada supera a versão original do George Benson, que tanto ouvi a minha infância inteira. Só fui descobrir a preciosidade dessa música, anos depois, quando me dei conta da mensagem na letra. É uma sabedoria muito bonita, que meus pais me passavam sem perceber e eu descobriria, já adulta - tanto na música, quanto na vida.. A música é sobre amor-próprio.  Sobre se descobrir se amando, na sua própria dignidade, se valorizar. Também é uma música – eu pressinto, embora a música não seja tão direta quanto a isso - sobre querer também que as pessoas que você ama se valorizem, em um tipo de amor que é maior do que a dependência confortável que às vezes gostamos de sentir nas pessoas em relação a nós, nos nossos impulsos mais egoístas. Tem a ver demais com amor de pais por um filho. Por isso me sinto conectada aos meus pais, de novo, por essa música. E tem a ver amar a própria dignidade, ter uma vida digna e desejar para todos, numa sentimento muito humanista e por puro amor ao próximo, que tenham o mesmo sentimento de dignidade e amor próprio.  Porque afinal, como indica a música, é só aprendendo a nos amarmos, que podemos amar o outro e também sermos amados. Por isso, “learning to love yourself, it is the greatest love of all”.

4 – Oração ao tempo – Caetano Veloso Essa música é uma obra de arte. Alegre, viva e muito real para quem para pra pensar o tempo, nossa vivência do tempo. E também nossa relação com a passagem do tempo. Está tudo ali indicado na música: a passagem do tempo nos faz perceber a vida como algo contínuo. E isso é bom porque traz aquele sentimento de “a vida continua”, apesar dos pesares.  Sentimento que nos faz ter esperanças de que,  de uma forma ou de outra,  tudo seguirá  em frente e vai melhorar e as agonias vão desagoniar. E é bom porque parece que há, na nossa capacidade de entender essa passagem do tempo como o destino, ou algo que era pra ser e que tem um sentido próprio (embora, isso seja só aparente, o tempo não necessariamente é contínuo, ou retilíneo, ou um progresso,  como bem aprendemos em História). Essa sentido que as coisas no tempo tem, no entanto, é o sentido do qual lhe incumbimos. E se às vezes não nos apercebemos disso e ficamos passivos esperando o tempo dar sentidos, não é todavia mal sinal que estejamos aqui esperando um sentido pra nossa existência. Além do mais, não posso pensar numa oração melhor para se fazer do que ao tempo. Afinal, é no tempo que tudo se dá. E é no tempo que temos que confiar para vivermos as nossas vidas. Tempo para que as coisas ruins passem e tempo para que as coisas boas venham. E tempo para nos tornarmos, com nosso espírito, como diz a música, um “brilho definido”, que só “espalhe benefícios”. Que sejamos aquilo que queríamos ser, enfim, no tempo. E que bonito desejar um tempo mais vivo nos trilhos do próprio destino. Desejar as mudanças, os processos, a vida, enfim!

 5 – Você –Tim Maia. Uma das cenas mais bonitas de romance que já vi na televisão aberta, foi numa série policial dessas de final de ano que colocam no ar porque a galera que faz programas usuais  precisa tirar férias em algum momento. E o que tornou toda a cena mágica, foi essa música. Na série, o policial mocinho que combatia os bandidos tinha uma esposa de gênio forte e um filho pequeno. O policial, claramente com problemas pra se relacionar e demonstrar sentimentos, enfrenta uma crise no casamento, mas nas vicissitudes das confusões da vida familiar e do trabalho (no qual era um pouco viciado), ele escolhe, não falando nada, mas com atitudes, o amor pela esposa e pelo filho, à se entregar a apatia e ao distanciamento da família. Aí vem uma cena lindíssima em que nada é realmente falado, mas diz-se tudo. O policial vai pra casa e senta para jantar com a esposa e o filho pequeno. A mãe está dando de comer ao filho, o pai interage com os dois. Os dois riem com o filho, há uma certa felicidade de estarem ali dividindo aquele momento, pela própria forma com que riem e sorriem e com quem brincam com o filho. Uma felicidade que parece lembrar aqueles primeiros momentos de um encontro. Como se eles se redescobrissem e se reencontrassem. Ninguém pergunta nada, nem fala nada, mas se percebe que dali, daquele momento, daquela cena, daquele contexto em que os dois se veem, se olhando de novo com um olha de esperança: tudo iria se resolver.  E aí toca essa música.  A música também não é muito elaborada em versos, mas não precisa ser, porque passa muita emoção e essa própria característica dela está em harmonia com um momento em que duas pessoas com muita dificuldade de declarar seu amor podem sentar juntas e dizer tudo que não ia sendo dito há meses, sem uma palavra sequer. E o simples jantar se transformar num ato de amor e a música vai tocando enquanto eles falam com o filho. E é isso. Não esquecerei essa cena, nessa essa música, nem esse sentimento tão bonito que me passa essa música tão emocionada.